A função de educação formal é das mais importantes em qualquer sociedade. É através da formação das pessoas que conseguimos criar cidadãos mais esclarecidos e capazes, agentes económicos mais produtivos e pessoas mais livres. Idealmente, através do processo de ensino-aprendizagem devemos conseguir gerar indivíduos mais felizes e sociedades mais harmoniosas, justas e iguais. Por isso, as escolas devem ser instituições altamente respeitadas e cuidadas.

Em Portugal, só muito tarde (com a democracia) se começou a dar importância às escolas e ao ensino para todos. Porém, ainda hoje, dado o atraso médio da população nos seus níveis de ensino, a escola é relativamente pouco valorizada, e os professores pouco considerados.

As recentes polémicas em torno da contagem do tempo de serviço dos professores ecoam querelas antigas da sociedade com a escola e com os professores.

Durante o Estado Novo a escola foi desvalorizada e elitizada, gerando a percepção de que o ensino não era assim tão importante, ou só acessível a poucos. Os que seguiam o percurso escolar para além do primário eram das classes mais privilegiadas, o que agravava a desigualdade social mas permitia alguma paz e respeito nas escolas. Ainda assim, os professores eram uma classe sem direitos laborais: sem férias pagas, com contractos a termo, sem direito à greve nem sindicatos, sem liberdade de pensamento e com baixíssimos salários.

Com a implantação da democracia, deu-se a massificação do ensino e a consignação de direitos laborais aos professores. Com esta massificação, e com o ensino obrigatório a escalar nos graus de ensino (hoje está nos 12 anos de aprendizagem), a escola passou a ser um espaço para todos, mas com muitos problemas: convivência difícil entre alunos de diferentes classes sociais e culturas educacionais, turmas muito grandes e faltas de respeito pela escola e pelos seus.

Os professores (uma peça vital para o bom funcionamento destas instituições) viram-se enredados numa realidade complexa: tinham direitos laborais que lhes garantiam alguma paz (salário fixo, quase impossibilidade de desemprego e progressão por antiguidade) mas enfrentavam dificuldades como ter que saltar de escola em escola enquanto não efectivavam, ter que gerir turmas muito heterógenas e demasiado grandes, muitas vezes com alunos de necessidades especiais (para os quais não tinham formação), ou perceberem que as condições de trabalho reais eram muito díspares entre os diferentes graus de ensino (desde o primário ao superior) e entre as diferentes disciplinas.

Já a sociedade, passou a achar que os professores eram uns privilegiados que ganhavam demais para o que trabalhavam (por isso, quer Sócrates quer Passos Coelho conseguiram apoio popular para a baixa das condições de trabalho dos professores).

A verdade é que Portugal precisa de uma reforma profunda no seu sistema de ensino (em todos os graus) que descubra a melhor forma de gerir o processo de ensino-aprendizagem, sem apego às estruturas legais anacrónicas que herdamos do passado.

Porque é que os professores do ensino superior têm que ganhar mais do que os do primário? Como é que se devem constituir turmas em zonas empobrecidas versus as escolas das classes médias? Como deve ser feita a selecção e formação contínua dos professores? Como devem ser avaliados? Seguramente não apenas pela antiguidade ou pelos rankings das escolas, tão propagados, mas tão mentirosos relativamente ao mérito de quem ensina.

Hoje já começamos a perspectivar a falta de candidatos a professores, dada a desvalorização que foi feita desta profissão e as difíceis condições de trabalho e baixos salários.

Não podemos permitir que vá para professor quem não consegue encontrar outro emprego, quem teve pior notas no curso ou quem foi para as Escolas Superiores de Edução porque não conseguiu entrar nas faculdades da sua especialidade, mas sai com melhores classificações do que os alunos dessas faculdades.

Defendo uma reforma profunda na selecção e avaliação dos professores. Em todos os graus de ensino, a principal componente avaliada deve ser a capacidade pedagógica (como se admite que, no ensino superior, essa vertente conte, na prática, zero nos processos de admissão e progressão?  É que não há estágios pedagógicos, nem nunca um professor tem que mostrar a superiores as suas capacidades de dar aulas ou gerir turmas e alunos). Afinal, a principal função de um professor é ensinar (criar conhecimento será a principal função de um investigador universitário, a de um professor será sempre ensinar).

Depois, há um leque grande de competências de um docente que podem passar pela gestão escolar, comunicação com o exterior, produção de manuais e de conhecimento, para além de um sólido domínio das matérias que ensina.

Todos esses parâmetros têm que ser tidos em consideração nos processos de selecção e avaliação para progressão na carreira. Para que isso seja feito, temos que cortar com o paradigma actual e criar novas regras para todos os graus de ensino, escolhendo os mais capazes, dando-lhes formação adequada (nomeadamente pedagógica) e valorizando a profissão (nomeadamente em termos de estatuto remuneratório).

Ser professor tem que ser considerada uma função nobre na sociedade. Tem que se perceber que pagar mais, mas a melhores professores com melhores escolas, pode ser, não um custo, mas sim um dos melhores investimentos que Portugal pode fazer para largar a cauda da Europa e se tornar um país pujante.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.