Uma reflexão sobre o processo de independência de Angola implica, necessariamente, uma assumpção da minha plena subjectividade por ser parte integrante dessa comunidade política e, sobretudo, efectivamente ligada ao nome de Angola. A consagração do país enquanto unidade política de análise só se tornou possível depois da independência, no dia 11 de Novembro de 1975. Esta independência foi alcançada através de uma guerra de libertação nacional que durou 14 anos, permitindo, assim, o acto de emancipação política e de consagração da soberania, desligada de Portugal.
A partir da independência de Angola pode ser ensaiado um conjunto de reflexões sobre o significado deste acto político de independência. Nesta senda, podemos elaborar duas interpretações sobre o fenómeno político em si: (i) uma restrita; e (ii) outra ampla.
Uma interpretação restrita e objectiva obriga-nos a cingirmo-nos aos factores políticos que antecederam até à materialização do acontecimento da independência de Angola. Dentro deste tipo de análise, a independência de Angola acaba por ser um processo decorrente de um longo processo político de resistência colonial, que culminou a 11 de Novembro de 1975.
Esta perspectiva não deixa de ser diacrónica, na medida em que a independência não é vista como um evento político fruto de um milagre sobrenatural, mas sim, como parte de uma realidade social e histórica concreta, envolvendo vários actores, agentes e agendas políticas. É, por isso, que a interpretação restrita não é pobre na sua abordagem de análise da independência de Angola – apenas não procura uma interpretação do fenómeno político depois de 1975.
Uma interpretação ampla e prospectiva da independência de Angola não se restringe ao acto de independência em si, porque agrega uma análise diacrónica, que analisa os antecedentes do acontecimento, tal como a análise restrita. Procura, ainda, abarcar uma análise prospectiva sobre o sentido efectivo da independência do país, tendo como exemplo de uma análise ampla e prospectiva a obra de Pepetela, com o livro Geração da Utopia. Esta obra literária projecta em si, uma visão ideal de independência, permitindo perspectivar o acto de consumação da independência como o acto político em si. Em suma, a independência de Angola passou a ser interpretada como um meio para atingir um fim político e idealista, talvez mesmo utópico.
Essas duas perspectivas de análise só são possíveis, a partir da efectivação da independência de Angola. Estamos, por conseguinte, a justificar a razão da independência de Angola. Sem esse acontecimento não seria possível realizar um exercício crítico e de reflexão sobre o seu curso histórico, como estou a realizar. Ou seja, a independência nacional assegura-nos a todos o direito de manifestar o nosso encanto, desencanto e até distopia política em relação ao projecto político do pós-independência.
Independência de Angola: das utopias às distopias
A geração da utopia que está, legitimamente, associada à luta de libertação nacional e à independência de Angola, acaba por superar a geração anterior dos nacionalistas que criaram um conjunto de associações cívicas “angolanas” mas não foram capazes, ainda assim, de construir um movimento político e de cariz revolucionário.
A geração da utopia, por seu turno, não colocou de parte a possibilidade de realizar uma luta de libertação, como ocorreu em 1961. Essa luta de libertação legitimou três movimentos de libertação, designadamente FNLA, MPLA e UNITA, que apresentaram projectos políticos distintos um dos outros, cultivando, assim, três utopias sobre o futuro político de Angola. É, por isso, complexo analisar a independência através de uma análise ampla e prospectiva, porque coloca-se sempre a questão: qual é a autêntica ou verdadeira utopia da independência de Angola?
Essa resposta será sempre dada de acordo com o posicionamento ideológico de cada movimento ou participante no processo político de independência de Angola. Podemos admitir, com efeito, que o conflito armado subsequente à independência resultou de um desencontro de perspectivas políticas e de utopias quanto ao curso futuro sobre a independência.
Esse desencontro político teve demarcações geográficas profundas, visto que cada região de Angola tinha um movimento. Por isso, estar sob o domínio de um desses movimentos passou a significar que eras desse movimento, sem o direito à respectiva escolha política ou à possibilidade de rejeição de tal ordem de poder.
A ordem de poder violenta que surgiu no pós-independência representou a impossibilidade de debate sobre o futuro político de Angola. A legitimidade, ainda hoje, é revestida, em certa medida, pela participação directa ou não, na luta de libertação nacional. Questionar o valor político da independência na realidade angolana significa, portanto, reduzir ou colocar em causa o grau de legitimidade política de uma geração que ainda se encontra politicamente activa. Por isso, sempre foi difícil estabelecer um diálogo aberto e crítico sobre determinadas opções políticas adoptadas durante o processo de luta de libertação nacional.
Essa cultura de aceitação do valor, per se, da independência, limitou, severamente, a geração de incertezas do pós-independência de debater ou de reflectir, do ponto de vista filosófico, político e estético sobre a própria independência através de ensaio, poesia e romance. Como revelou o escritor e poeta angolano José Luís Mendonça na entrevista ao Buala: “Não sabíamos como escrever e contra quem escrever. Os outros sabiam que era contra o colonialismo”.
O ensaísta e poeta Luís Kandjimbo descreveu a “geração das incertezas” como os poetas dos anos 80 e também a dos anos 90, marcada pela decepção e pela angústia devido à situação de fome e de miséria social exacerbadas pela guerra civil entre a UNITA e o MPLA. Essa poesia pós-1980, na maioria das vezes, não se detém explicitamente nas questões sociais. Trata-se de uma geração sem direito à história política enquanto tempo e espaço de materialização de uma utopia política.
O condicionamento da guerra civil da independência de Angola
A guerra civil contaminou toda a percepção sobre a independência de Angola, pois passou a existir uma perspectiva segundo a qual a independência foi responsável pela guerra civil angolana. Esta ligação política afectou negativamente a percepção da independência de Angola, que passou a ser encarada como uma distopia política e responsável pelo estado de miséria e de empobrecimento dos angolanos. Era, assim, importante reconstituir um espaço de paz e convívio cívico, tentativa feita em 1992, que, infelizmente, não resultou, levando o país de volta ao estado de guerra até 2002.
No entanto, a guerra civil já tinha transformada a História Política de Angola e impediu qualquer crítica sobre a independência. A legitimidade política e a justificação da guerra, tanto do MPLA como da UNITA, resultavam da sua participação directa na luta de libertação nacional. É por isso que as análises sobre a independência de Angola não se restringem ao acto em si, mas, aos seus efeitos prospectivos.
Este tipo de abordagem procura ampliar um campo de responsabilização da independência, valorizando este acontecimento em si, porque antes da independência de Angola havia, somente, objecto e não os sujeitos. A guerra civil é o produto das opções de sujeitos conscientes. Estamos, assim, em condições de responder à minha própria pergunta: para que serve a independência de Angola?
Para que um sujeito político angolano possa produzir a sua história com as devidas contradições, tensões e complexidades, sem depender de um terceiro. Exercendo, deste modo, a respectiva autodeterminação e consumação da soberania política enquanto expressão de uma vontade colectiva, conforme consagrado na Constituição da República de Angola de 2010.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.