A razão pela qual os pobres votam na direita tem estado no centro das dúvidas de académicos nos últimos anos, e até mais nos últimos meses. Isto ocorre, sobretudo, porque se espera que os mais pobres tendam a apoiar medidas que sejam pró-distribuição mais igualitária dos recursos estatais, e logo, que não alinhem necessariamente com os partidos mais à direita. Contudo, como todos sabemos, os resultados eleitorais um pouco por todo o lado, em vários países europeus ou no Brasil, por exemplo, parecem contrariar esta ideia de que os mais pobres tendem a não votar em políticos mais à direita.
Muitos dos estudos que se têm debruçado sobre a relação entre a competição eleitoral e o nível de pobreza do eleitorado referem que os aspectos macroeconómicos podem aumentar ou diminuir o sentido de voto dos eleitores numa dada direcção. E é nesse ponto que me quero deter.
Uma das tendências mais recentes neste tipo de investigação aponta para resultados em que em sociedades onde o estatuto social seja muito diferenciado – por exemplo, sociedades com um passado colonial, forte estruturação em divisões sociais/raciais/étnicas como castas ou um sistema de servidão ou escravatura, etc. – haverá uma maior vantagem para os partidos de extrema-direita em subsistirem. E porque é que isto acontece? Em parte devido à interacção entre a mobilização política e os aspectos económicos, mas não só.
Algumas respostas a estas questões têm procurado a luz do dia. Por exemplo, as dimensões mais importantes numa determinada campanha eleitoral podem não ser, necessariamente, as económicas. Ou, por outras palavras, apesar de a economia ter um papel relevante em praticamente todas as eleições, a sua relevância relativa não tem que ser constante, mudando o seu peso na influência do sentido de voto de acordo com contextos histórico-sociais.
Imagine-se que, apesar de uma sociedade ser bastante desigual, também economicamente, o aspecto mais relevante (eu por acaso acredito que esta é uma das suas causas) a ser indicado numa determinada campanha seja a alta taxa de criminalidade, como aconteceu recentemente no Brasil.
Ao dar-se uma maior importância a uma determinada dimensão que se junta a uma característica, e que pode ser, por exemplo racial ou étnica, a população com essas características poderá ignorar outras dimensões. Por essa via, até mesmo os mais pobres poderão votar em políticos que, mesmo indo “contra uma determinada parte dos seus interesses” se alinham com outros aspectos consonantes com as suas preferências sociais (de entre muitos estudos interessantes sobre o assunto, pode-se ver Alesina e Glaeser, 2004, De La e Rodden, 2008 ou Huber e Suryanarayan, 2016).
Para aqueles que pensam que fazer comentário político é fazer futurologia, talvez seja importante recordar que os fenómenos sociais e políticos não são, muitas vezes, assim tão novos. Vestem-se de outras roupagens, mas a essência está presente em muitas outras visões, contextos e análises. E é por isso que em Ciência, mesmo aquela que muitos tendem a desvalorizar, como as Ciências Sociais, também nós estamos aos ombros de gigantes. Não necessariamente porque quem nos precede seja genial (também acontece), mas muito mais porque o conhecimento é cumulativo, até quando está errado!
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.