Entre um almoço corrido e a aula da tarde, lá tive uns segundos para espreitar um dos noticiários televisivos. Por momentos pensei que estava a ver uma ficção inserida num programa jornalístico, mas percebi que aquele aparente “Fight Club” a céu aberto e em plena luz do dia era nas ruas do Porto.
Aquelas dezenas de homens meio desnudos, atrelados com fúria uns nos outros, eram adeptos ingleses (muito pouco snobs) que vieram a Portugal, que lhes abriu as portas em tempos de estado de calamidade, para que, todos juntos, vissem ao vivo a final da principal competição europeia de futebol.
Deste texto não sairá uma crítica à abertura de exceções para o futebol, mas sim uma reflexão sobre os motivos pelos quais grande parte das ações associadas ao futebol não me merece atenção nem tão-pouco respeito. Mesmo antecipando a suscetibilidade de sensibilidades várias, aqui vai a minha resposta à pergunta “porque hei de gostar de futebol?”.
Basta introduzir as palavras “violência” e “futebol” em qualquer motor de busca online para ter um manancial de sugestões de casos de brutalidade no e pelo futebol em Portugal, num constante abuso da força entre adeptos – quais gladiadores –, entre treinadores – agredidos e agressores altamente mediáticos –, e entre presidentes dos clubes – autênticos imperadores que agregam os seus homens pela luta pela causa clubística.
Ora, se esta modalidade se confunde com o todo do desporto em Portugal, que continua a discriminar as mulheres (nos salários, na presença mediática e tanto mais) e que incita, não raras vezes, ao conflito físico, porque a continuamos a venerar quase religiosamente? Não sei.
Mas voltemos à violência, que, nas suas mais diversas expressões, é naturalizada pelo futebol e seus agentes ativos, quase sempre “desculpados” e “perdoados” com o argumento equivocado de que mexe com “emoções fortes”. E os casos avolumam-se. Só mesmo a velocidade da informação é que torna até as situações mais graves em fait divers, que se esfumam entre comentários televisivos estéreis e publicações mais ou menos insanas nas redes sociais.
Permitam-me, então, um breviário do futebol e violência em Portugal em apenas quatro anos.
Em 2017, um adepto é atropelado mortalmente nas imediações de um estádio. Resultado final: quatro anos de prisão e a promessa de voltar a ser um ‘bom menino’. Ainda em 2017, o caso de um jogador que decidiu andar à canelada com o árbitro, num acesso de fúria absolutamente descontrolada. Resultado final: 11 meses de pena suspensa, uns euros de indemnização e a promessa de tomar Victan antes dos jogos. Em 2018, um conjunto de adeptos alucinados decide assaltar o castelo e atacar os soldados em pleno espaço de treino. Resultado final: pouca coisa ou coisa nenhuma. Para terminar o rol: um jornalista é agredido por um dos agentes do futebol. Resultado final: o agressor foi suspenso uns dias e terá prometido voltar a ser um menino bem-comportado.
Este rol é muito breve tendo em conta tanto que tão pouco digno se passa no futebol e em muitas ações que dele, por ele, resultam. Por isso, custa-me entender a candura com que agressores e incitadores de violência são tratados e a displicência com que alguns treinadores e jogadores praticam atos e usam palavras indecentes, quando sabem que tantas crianças os têm como ídolos e exemplos.
Eu sei que estou em contraciclo, visto que mais um campeonato de futebol europeu está aí à porta. Que eventos desta importância não sejam ensombrados por mais acontecimentos grotescos. Só assim poderei mudar a minha a opinião. Por enquanto: não há porque gostar de futebol.