Para aqueles que trabalham com tecnologia digital e inovação, e cujo olhar se direciona às perturbadoras unintended consequences da concentração de poder e informação da economia digital a seguir ao sonho (positivamente) liberal da internet, nos anos 1990, o pensamento sobre aquilo que o futuro nos reserva pode vir a ser o seguinte: “não vejo a hora de a Web 3 se tornar pervasiva!” Em outras palavras, há na Web 3 uma esperança qualquer de retoma de fragmentação, de distribuição, de edge computing mindset e de saudável deriva pela rede acompanhada de um maior controlo individual de privacidades.

Esta maré narrativa de mudança está a encher, e somente o tempo (e a regulação) dirão para onde poderá ir esta renovada “utopia”.

Por outro lado, para quem não está neste registro mas depara-se diariamente com o conforto dos algoritmos que mostram o que queremos ver (ou sobretudo, escandaliza-se com o estreitamento de informação para o qual somos empurrados, caso não estejamos organizados para reagir com a autonomia algorítmica dos nossos próprios neurônios) o pensamento poderá ser menos técnico, mas não menos relevante e necessário: “como diabos chegamos a este lugar, onde tudo aquilo em que não me revejo parece estar a transformar-se num potencial antagonista que preciso de derrotar?”

Os antagonistas, os vencedores e os vencidos, sempre existiram. Mas cá estamos nós, em 2022, na versão exponencial disso tudo. E o tema deste artigo não é a inteligência artificial ou as redes sociais per se, e muito menos a Web 3. Mas por se tratar de fenómenos visíveis, potentes, e com os quais nos relacionamos facilmente, ajudam-nos a chegar ao ponto fulcral desta partilha sobre colisões.

A economia e a cultura digitais não estão de todo sozinhas na representação do tempo em que vivemos, mas são agentes dinamizadores de toda a mistura da máquina da história corrente.

Ora, este agile trailblazer combina o descompasso cognitivo do digital com uma amarga pós-globalização, entranhada de nacionalismos populistas; com uma narrativa de fuga do planeta Terra, sugerida pelos detentores das maiores fortunas acumuladas enquanto “solução” para a nossa relação desequilibrada com a ordem natural, e com uma agenda identitária, tão poderosa na reparação histórica das pessoas invisíveis e deslegitimadas milénios afora que se tornou capaz de arrancar os temas básicos da gestão da Res Publica do debate político – e de gerar as mais viscerais reações por parte de quem não aceita a mudança, ou a visão de mundo dos outros.

Andamos todos um bocado intolerantes, em diferentes dimensões, neste momento em que a oposição às nossas crenças claramente nos irrita. Somos animais de hábitos, em sofrimento diante de tanta complexidade, informação e ruído a atrapalhar. Não seria melhor ficar cá no nosso canto sem ninguém a chatear muito? Penso que não. Mais do que nunca, precisamos dos outros, de outras coisas. Despolarizar, como bem define o projeto homónimo português, para não fritar.

A diversidade (e inclusão) de opiniões divergentes às nossas são fundamentais para alimentar o algoritmo da nossa ordem natural: foi desta forma que chegamos até aqui enquanto humanidade. Podemos, é claro, chegar algum niilismo para perto e simplesmente assumir que nada é o que parece, que nada existe como percebemos e que tudo foi construído a partir de guerra, poder e morte. Mas a esta altura dos factos, e para além de iluminar o nosso repertório individual de possibilidades, será que tal filosofia funcional para uma vida em sociedade a necessitar de melhorias práticas agora, e não de um tragicómico cenário de “occupy Mars” enquanto… solução?

Precisamos de mais colisões, para aprender com elas e parametrizar as nossas decisões. Que serão sempre nossas, porém sem indiferença àquilo que está ao nosso redor. Uma tarefa extremamente dura se tivermos em conta que, mesmo que de forma inconsciente, desejamos permanentemente projetar o melhor de nós e dos nossos empreendimentos sobre os demais, pois sabemos que tal esforço discursivo e demonstrativo proporciona low hanging fruits.

É por isso que os debates em ambiente académico, queremos assim acreditar, jamais perderão o seu papel de ágora para uma liberdade de expressão e ideação que nada tem a ver com liberdade de agressão e crispação. Mais do que nunca, este ambiente deve ser um porto seguro para as colisões que servem de combustível para a nossa evolução intelectual.

A Nova School of Business and Economics, através do seu Innovation Ecosystem (e não só), está comprometida em assegurar este papel de ponto de encontro junto ao maior número possível de vozes: professores, investigadores, alunos, empreendedores, comunidade, investidores, empresários, gestores, trabalhadores e mais.

As Collision Talks, como aquela que se realiza dia 26 de outubro, são parte de uma extensa e alargada agenda de conhecimento partilhável com acesso livre, e vão procurar fazer a sua parte para o efeito. Através de perguntas “inconvenientes”, ou de participantes com visões “incongruentes”, serão explorados temas como o Degrowth, o Novo Bauhaus Europeu ou a relação entre a Inovação as Indústrias Criativas.