1. A baixa produtividade agregada é uma realidade no nosso país. E uso o termo produtividade agregada por reconhecer que, em muitos sectores/actividades, em certas dimensões das empresas, unidades exportadoras, etc., a realidade não é esta. É bem melhor. Em muitos casos, a economia portuguesa ou pelo menos um grupo de empresas significativo está em posição comparativa de competitividade face a sectores e empresas de outros países.
No entanto, a situação de baixa produtividade é mesmo muito séria para o País, determinante do seu atraso e factor de constrangimento de crescimento futuro. Os governos, os empresários e suas organizações têm de sair daquele ciclo sem fim “da pescadinha de rabo na boca”, o da produtividade comandar em absoluto a melhoria de salários.
Até porque esta ideia é cada vez menos objectiva, pouco fundamentada e tende a tornar-se cada vez mais obsoleta. Dentro de determinados limites, é claro, tem-se vindo a provar que as melhorias salariais podem influenciar e influenciam, de forma positiva, a produtividade, por múltiplas razões, algumas das quais (menos faltas, mais motivação, etc., o que significa mais produtividade) são assinaladas em artigos, estudos, conferências da “Economist”, uma instituição pouco suspeita de não defender a classe empresarial.
Nos EUA e Reino Unido e, recentemente no Japão, esta nova abordagem da relação salários/produtividade ganha força, os estudos multiplicam-se nesse sentido e as práticas nas empresas começam a dar frutos. Estamos a assistir à queda de mais um “catecismo” doutrinal: aumentos de salários só mediante aumentos de produtividade. O catecismo a cair até porque nem praticado era.
A evolução positiva da produtividade não tem arrastado, em muitos e largos períodos, melhorias salariais. “Os aumentos salariais na União Europeia (no período de 2000 a 2016) teriam sido quatro vezes maiores se tivessem reflectido os aumentos de produtividade, diz o Instituto Sindical Europeu”.
E se olharmos para Portugal, a situação foi ainda mais gravosa.
Segundo a mesma fonte, houve em Portugal, neste mesmo período de 16 anos, uma redução média dos salários da ordem dos 3% face a um aumento de produtividade de 10%. Evolução salários/produtividade de sinal oposto. E aqui deixo a pergunta: quem beneficiou desta relação desigual?
2. Por outro lado, Portugal encontra-se no tocante à participação dos salários (rendimentos do trabalho) na distribuição global do rendimento, numa situação de profunda desigualdade no contexto da União Europeia, ou seja, as remunerações salariais, em percentagem, no rendimento global têm uma quota inferior da ordem dos cinco pontos percentuais. Isto traduzido significa que a parte do rendimento global do País que o capital capta é, em termos relativos, bastante acima do que se passa na União Europeia.
Só o processo de recuperação deste diferencial de desigualdade merece uma profunda reflexão e deverá ser um vector de recuperação a considerar na negociação de uma política de rendimentos e de competitividade que o governo pretende abordar na concertação social. Sim, porque a competitividade que é importante para a economia do País não pode ter por base a desvalorização salarial como muitos têm em termos práticos defendido e praticado.
É comum ouvir-se e escrever-se: os custos salariais não podem aumentar sob pena de nos tornarmos menos competitivos. Certos partidos políticos, empresários e suas organizações e mesmo alguns gestores têm esta ideia muito firme na sua cabeça. E, raramente, se questiona a procura de outras causas para a fraca produtividade e competitividade da economia portuguesa.
E uma das maiores causas da nossa baixa produtividade assenta como não há muito tempo li num estudo oficial do Conselho para a Produtividade, coordenado pelos Ministérios das Finanças e da Economia que em Portugal: “a falta de qualificações dos empresários afecta a eficiência da empresa, assim como os critérios de escolha dos gestores, muitas vezes feita com base nas relações familiares e de amizade e não pelo percurso profissional”.
Dito de outra forma, esta conclusão do estudo significa que a baixa produtividade do País se deve à falta de competência dos empresários que, desta maneira, limita a eficiência das pessoas que com eles trabalham. Sendo mais claro e sem rodeios, a baixa produtividade empresarial entronca na reduzida capacidade de gestão e organização das empresas por parte dos empresários e gestores.
Certamente não será o único obstáculo, mas para ser tão evidenciado num estudo desta natureza é porque pesa mesmo muito.
O estudo do Conselho para a Produtividade, timidamente embora, também admite que “os trabalhadores são mais produtivos quando têm salários mais altos”. Daí que os governos e as confederações empresariais não possam alegar desconhecer esta matéria no seu todo.
Assim, sobre os governos (por falta de políticas de fundo adequadas) e sobre os empresários e suas organizações por falta de medidas, como p.e. formação empresarial, recaem as culpas do atraso do país nesta matéria. E a que se assiste? Por parte dos empresários a querer e a requerer paliativos dos governos, não indo ao fundo da questão, tomando medidas (incluindo a formação) no campo da gestão e organização das suas empresas.
3. Não vamos, contudo, ser negativistas e pensar que estamos perante uma situação perdido ou ainda que Portugal não tem progredido em muitas áreas e sectores.
Tem, sem dúvida. Quem não se recorda, recuando no tempo, de atrasos em sectores como o calçado, o têxtil, ou até mesmo na fabricação de equipamento. E quem não admite sérios avanços em segmentos de produtos/serviços de alta tecnologia, quer através de empresas nacionais quer estrangeiras! Estamos a assistir a uma mudança do perfil de especialização e de funcionamento da economia, mas é preciso acelerar o ritmo dessas transformações para nos aproximarmos dos países mais avançados, criando riqueza, e melhor a distribuirmos.
Mas sinto que o movimento de mudança nas empresas ainda não está fortemente enraizado. E por vezes fica-se com a ideia de avanços e recuos sobretudo em serviços prestados ao público, de que o país parece estar numa fase crítica e a regredir até em certos aspectos. Há que analisar tudo isto para tomar medidas que resolvam de facto a situação de forma consistente e não ficarmos apenas pelos paliativos.
4. Uma nota sobre a fixação do salário mínimo para 2020 em 635 euros. Para mim, entendo baixo o valor. Houve falta de ousadia. Esperava um valor mais elevado em torno dos 650 euros. A economia está em condições de acomodar este valor.
Por outro lado, em termos sociais e de justiça, era um valor mais equilibrado, pois incluiria uma pequena correcção no sentido do avanço na convergência para o valor médio da participação do rendimento do trabalho no rendimento para o nível da União Europeia. Aliás, este é um aspecto que o Governo deve ter presente na fixação do salário mínimo e nas restantes negociações sobre os rendimentos e competitividade.
5. Em síntese, ganha-se pouco em Portugal, entre outras razões, por medidas de política desajustadas na aceleração da necessária correcção da especialização da economia portuguesa, pela deficiente qualificação dos empresários e gestores e ainda pela apropriação desequilibrada do rendimento entre o capital e o trabalho.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.