Na antecâmara das eleições europeias, tive uma conversa animadoramente esclarecida e informativa sobre a escolha que se aproximava com um amigo que vive fora. Além de ser uma pessoa excepcionalmente informada, provavelmente o facto de não estar a viver em Portugal também lhe permitiu fazer uma escolha não poluída pela miserável campanha que decorreu nas semanas anteriores ao acto eleitoral, campanha essa que contribuiu (não exclusivamente, mas bastante) para os níveis vergonhosos de abstenção que se verificam no nosso cantinho à beira-mar plantado.

Costa e o PS, apresentando um candidato com muito pouca obra assinalável no seu percurso como ministro e níveis negativos de carisma, pediu “um voto de confiança ao Governo” nas europeias. Curioso, por acaso não sabia que era o Governo que iria, em bloco, para o Parlamento Europeu, representar os portugueses. Se calhar é porque as eleições europeias pouco ou nada têm que ver com as legislativas, sendo que, no caso da UE, a grande questão que se colocava aos eleitores seria se a prioridade de governação europeia deveria recair em questões nacionalistas, de segurança e políticas de imigração, ou sobre a emergência climática que se vive e que ameaça destruir (ou condicionar fortemente) o nosso modo de vida e a existência da nossa espécie. Pouco, senão nada, ouvi dos partidos com assento no Parlamento Europeu (excepção feita a Marisa Matias) sobre estes assuntos, preferindo focar a discussão em matérias nacionais que nada adiantam na questão europeia.

Ora, se, por um lado, no PS, 2 pontos percentuais (1,92, para ser preciso) servem de diferença entre o “poucochinho” de 2014 e a “grande vitória” de 2019, e se, por outro, na direita, o pessoal se esqueceu de levar a tia mais idosa às urnas, parece-me inegável que o grande vencedor da noite foi o PAN, ao eleger o seu primeiro eurodeputado. Num país em que a discussão política se resume a “são sempre os mesmos que mandam” e “eles são todos iguais”, pensava que a reacção a um partido ambientalista e com pouca exposição mediática conseguir eleger um deputado seria muito mais positiva; pelo contrário, os ataques multiplicam-se e surgem de todos os lados.

Comecemos pela “surpresa” da eleição de Francisco Guerreiro: aparentemente, muitos analistas andarão esquecidos que o PAN tem, desde as últimas legislativas, um deputado na Assembleia da República. Isso deveria indicar já uma predisposição para os eleitores olharem para o partido como a linha da frente numa alternativa ao típico “arco de governação” do nosso Parlamento. Esta falta de capacidade de prever tal resultado demonstra também uma desconsideração pela opinião e intenção de voto dos jovens, em mais uma demonstração de como as sondagens frequentemente se enganam.

Mas faz-me ainda mais confusão o medo, revolta e preocupação que gerou em diversos comentadores mais ou menos afectos aos vários partidos já instalados, como se poderá constatar em diversos meios de comunicação social. Não percebo o problema de Isabel Moreira com o PAN “não ser de esquerda nem direita” – na realidade, vejo nisso uma virtude; não percebo o duplo critério de Daniel Oliveira (e suponho que o próprio também não o perceberá) ao chamar ao PAN de “ultra-radical”, o mesmo tipo de acusações que sofreu o Bloco aquando da sua chegada ao Parlamento; e a Miguel Sousa Tavares fica muito mal reafirmar, no Expresso desta semana, o rol de mentiras que afirmara no seu espaço de comentário da Segunda-feira imediatamente a seguir às eleições, depois de estas serem desmascaradas pelo Polígrafo – além disso, é de uma falta brutal de honestidade intelectual falar dos zero votos no PAN em Barrancos quando, além de ser uma vila conhecida por matar touros em praça pública, foi o único concelho em que o Partido obteve tal resultado. E dizer que um partido chamado Pessoas-Animais-Natureza só agora abraçou oportunisticamente a causa ambiental parece-me altamente inverosímil. Curioso que a António Guterres, que já por diversas vezes defendeu uma taxação das emissões de carbono em vez dos salários, ninguém chama de extremista. António Costa, um animal político de instinto apurado, apercebeu-se imediatamente da importância eleitoral do assunto e anunciou, no seu discurso na Comissão Política Nacional do PS, que o combate às alterações climáticas será uma das prioridades no programa do PS para as legislativas.

Custa-me ver um descrédito tão grande pela maior emergência que se vive no planeta actualmente, especialmente num país costeiro que, com a subida das águas do mar, irá sofrer os impactos em primeiro lugar. E custa-me ver que, no meio dos lamentos típicos do povo de que nada muda, ao primeiro sinal de uma pequena (pequeníssima, de um eurodeputado!) mudança, exista um rol tão alargado de oposições e obstáculos à entrada em cena de um partido alternativo com prioridades diferentes. No entanto, se para a facção mais envelhecida da população, a quem o tempo do calendário certamente preocupa mais do que o tempo do clima, às gerações mais novas dará jeito ter um planeta habitável. E, apesar de termos um país já bem envelhecido, não temos de ser todos uns velhos do Restelo.