A oposição de grande parte da população à expansão do terminal de contentores de Alcântara, há poucos anos, enquadrava-se numa tendência geral em todo o mundo de valorizar as zonas portuárias dentro das cidades para usos ligados ao turismo e ao lazer e deslocalizar os terminais de carga do centro das cidades para zonas mais desafogadas, de preferência com melhores acessos marítimos. Como:
1. Os principais terminais de contentores que servem a região de Lisboa, Alcântara e Santa Apolónia, estão dentro da cidade,
2. os terminais portuários são indispensáveis para o comércio internacional, que é fundamental para a prosperidade das sociedades modernas,
é indispensável encontrar alternativas competitivas para servir o mercado da região de Lisboa, essencialmente de Setúbal a Leiria.
Sines é um porto de águas profundas, e por isso serve também outras funções além do abastecimento do hinterland, e encontra-se mais afastado desta zona. Os portos mais vocacionados para servir directamente esta zona, nos tráfegos short-sea, são os de Lisboa e Setúbal. Tem assim relevância discutir o potencial do porto de Setúbal ao serviço da competitividade da economia da região de Lisboa, não apenas em termos absolutos, mas também relativamente às alternativas, nomeadamente o projectado terminal de contentores do Barreiro.
A análise desta questão pode ser feita considerando os factores seguintes:
1 – Custo e qualidade dos acessos marítimos
2 – Custo e qualidade dos acessos terrestres
3 – Custo de construção e dimensão dos terminais
4 – Potencial de atracção de outros investimentos/efeitos no desenvolvimento local.
No que diz respeito ao ponto 3, na carga contentorizada, tanto Setúbal como o Barreiro podem ser dotados de capacidade suficiente para servir a região de Lisboa e o sul de Portugal, mesmo a longo prazo. No que diz respeito ao ponto 2, acessos terrestres, como os terminais se situam todos ao sul do Tejo e já dispõem de bons acessos rodo e ferroviários na vizinhança dos terminais, os acessos terrestres não representam uma vantagem competitiva significativa para nenhuma das alternativas.
O ponto 4, efeitos locais, foi o principal argumento invocado para justificar o investimento no Barreiro, dado ser uma das zonas mais deprimidas da região de Lisboa. No entanto, este argumento, embora relevante, é insuficiente para justificar por si só o investimento proposto. Em Setúbal, a capacidade de atrair mais investimentos tem mais potencial devido à disponibilidade de espaço para instalação de actividades logísticas e industriais na vizinhança do porto. Seja como for, este é um factor favorável a ambas as alternativas, sendo discutível se favorece claramente uma delas.
Neste contexto, nenhum dos argumentos anteriores desequilibra a comparação claramente a favor de uma das alternativas. Onde existe um desequilíbrio claro é no critério 1, acessos marítimos. Na Barreiro a profundidade natural é de cerca 2m e em Setúbal cerca de 11m. Assim, se se quiser construir um porto com profundidades de cerca de 15m para assegurar a recepção de navios com 14m de calado em quaisquer circunstâncias, coloca-se a questão do custo das dragagens. Em Setúbal, sabe-se que esse custo é moderado, cerca de 1 milhão de euros por ano para as dragagens de manutenção. No Barreiro, os estudos existentes apontam para 5 a 10 vezes mais, não se podendo excluir valores ainda superiores devido às incertezas dos modelos de previsão dos volumes a dragar. Neste contexto, o Barreiro dificilmente poderá oferecer uma alternativa competitiva a Setúbal, acabando sempre os consumidores ou os contribuintes a pagar a fatura.
Assim, se o interesse público prevalecer, é provável que no médio e longo prazo o porto de Setúbal venha a ser o principal porto que serve, no short-sea, a região de Lisboa, bem como o Alentejo, e grande parte da Estremadura espanhola se tiver as ligações ferroviárias adequadas. Isto não significa que o terminal do Barreiro não faça sentido, até porque será preciso atender às crescentes necessidades futuras, mas provavelmente terá que ser redimensionado para profundidades e navios menores, podendo mesmo assim vir a contribuir para a revitalização do tecido económico local.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.