Em meados dos anos 60 passei as então intermináveis férias escolares de Verão na ilha do Porto Santo. Recordo-me bem da singular beleza da ilha que se percorria em pouco mais de uma hora. A uma escala reduzida tudo ali tinha harmonia : uma extensa praia de areia fina, águas quentes e límpidas, um discreto maciço rochoso que não chegava aos 500 metros, pouca ou nenhuma vegetação rasteira numa paisagem inóspita mas bela.

A população não ultrapassava na época 3.000 habitantes, quase todos concentrados na Vila Baleira. Existia ainda um único hotel e meia dúzia de burros para divertimento dos continentais que, como eu, visitavam a ilha. Turistas praticamente não havia. Mas também seria difícil atraí-los: a estranha beleza natural confrontava -se com um clima seco com raras precipitações (ao contrário da Madeira) e sérias carências de água potável pela ausência de reservas hídricas subterrâneas.

Recordo-me de pela primeira vez na vida, por indicação de meus pais, ter sido forçado a gerir a água de forma racionada (por exemplo, o duche não podia ser diário) e a  ter atenção  ao desperdício de água. E isso num  tempo em que não se falava ainda de mudanças climáticas. Mas ao terminar as férias fiquei com a triste certeza de a ilha estava condenada a ficar deserta (e nem sentido faria falar-se em desenvolvimento turístico) se não se resolvesse o problema da falta água. Sem água não há vida.

Cinquenta anos depois, o Porto Santo pode com orgulho e segurança acolher no Verão os mais de 20.000 turistas que afluem todos os anos à ilha. Não há falta de água mesmo nos meses de Verão. Para isso uma única solução se impôs: tirar a água do mar e dessalanizá-la.

Em 1980, o governo regional, presidido por um jovem  Alberto João Jardim, construiu uma central dessalinizadora com a melhor tecnologia à época e que ainda hoje é uma referência. A solução permite (com a renovação do sistema em 2017) facultar água de boa qualidade até 70.000 pessoas e ainda ter utilização rentável na agricultura. Está pois em condições de resistir ao aquecimento global e à inevitável escassez de água com a redução da pluviosidade.

A recente tragédia do rio Tejo e seus afluentes (que não se resolve em tempos de crise com acordos e desacordos com Espanha), as barragens nacionais com reservas abaixo de 50% e, sobretudo, o que não se sabe sobre a verdadeira autonomia de água potável para consumo dos portugueses, exigem que se tomem medidas urgentes em matéria de recursos hídricos e de captação de água.

Haverá muitas soluções mas só uma resolve a longo prazo o problema, não tenho a menor dúvida –  o recurso à dessalinização. Sem essa alternativa (de que apenas o PAN e o CDS trataram, de forma vaga, nos seus programas eleitorais sem qualquer discussão em campanha) Portugal transformar-se-á no Porto Santo (seco) de há 50 anos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.