“Portugal é um oásis, é bom pensar nisso…”, Braga de Macedo, ministro das Finanças, setembro 1992
O mundo mantém um complexo equilíbrio entre forças económicas, onde os bancos centrais continuam a levar a cabo uma série de medidas monetárias duras, conservando taxas de juro em níveis historicamente elevados para controlar a inflação, enquanto os governos vão tentando implementar políticas fiscais que consigam evitar um colapso da atividade e consequente recessão económica.
Esta realidade é ainda mais delicada no contexto europeu, a braços com as consequências provocadas pelo conflito na Ucrânia após a invasão russa, e que ergueram uma nova espécie de “cortina de ferro”, que irá perdurar muitos anos para além do momento em que cessarem as hostilidades militares.
Nesta Europa amplamente afetada em várias frentes geopolíticas, e que aparenta ser socialmente cada vez mais um barril de pólvora, a probabilidade de uma recessão é real e, na segunda metade do ano, todas as economias do euro deverão registar um crescimento anémico, na melhor das hipóteses. Bem, todas não. Há uma economia na União Europeia que parece ser à prova de todas as provações. Portugal. Será mesmo assim?
Apesar dos desafios, as economias estão mais resistentes do que pareciam estar no início do ano…
Apesar da guerra e de pesadas sanções na Europa, das crises bancárias nos EUA e Suíça, da inflação e taxas de juro dos Bancos Centrais em máximos, e da política covid zero na China, a economia mundial continua resiliente. Com níveis de crescimento pouco exuberantes, é certo, mas que têm permitido acomodar os impactos dos desafios monetários e geopolíticos.
A principal variável por detrás da resiliência nas principais economias desenvolvidas tem sido a saúde do mercado de emprego. A procura por trabalho continua dinâmica, o desemprego mantém-se baixo, e a pressão para o crescimento dos salários acompanhou a inflação na maior parte das principais economias, sobretudo dos Estados Unidos – o que permitiu, por exemplo, que as famílias gerissem com mais segurança orçamental os desafios relacionados com aumento do custo de vida trazido pela inflação, suavizando os solavancos no ciclo de negócios das empresas e, consequentemente, diminuindo o risco de uma quebra de atividade acentuada.
Na Europa, a verdade é que a economia está a conseguir mitigar, também, o impacte negativo do conflito militar na Ucrânia com a Rússia, embora a taxa de crescimento marginalmente negativa do PIB na União Europeia, nos últimos trimestres, deixe claro que não foi uma navegação totalmente tranquila. Ainda assim, com o mercado de trabalho forte e outros indicadores de desempenho económico estáveis, pode-se concluir que o desempenho recente foi, de certa forma, favorável, quando posto em perspetiva com as expectativas.
… Mas a resiliência económica, prolongará o ciclo inflacionista na União Europeia
No entanto, e consequência da estabilidade económica, foi o aumento da inflação. A zona euro pode ter visto o pico do núcleo da inflação no final do 2º trimestre do ano, mas ainda não é certo, nem está claro, com que rapidez a inflação vai desacelerar depois de atingir o pico. Ou seja, o Banco Central Europeu (BCE) terá de continuar vigilante, uma vez que os desenvolvimentos poderão levar a novas subidas de taxas de juro no velho continente.
Ao contrário da Reserva Federal dos EUA, o BCE tem um mandato único. Controlar a inflação, independentemente do impacte no crescimento da economia. Isto significa que a autoridade monetária europeia terá ainda de percorrer mais terreno até poder declarar que o seu ciclo de aumentos de taxas está concluído.
Até onde vai ser testada esta resiliência económica europeia, e o que significa para Portugal?
Na segunda metade do ano, teremos duas variáveis decisivas. Por um lado, muito vai depender do que podemos chamar deste efeito retardador do impacte da manutenção de taxas de juro por parte dos bancos centrais, que, na Europa, pode prolongar-se mais do que é desejável, pesando assim nas decisões de investimento e nos rendimentos das famílias – sobretudo se o mercado de emprego começar a incorpora menor dinamismo.
As análises recentes dos observadores, e leituras de indicadores económicos, apontam para um cenário de abrandamento da atividade económica nos próximos trimestres, onde, ocasionalmente, podemos admitir que existe uma espécie de “flirt” com a recessão, mas a resiliência deverá mitigar este efeito no acumulado do ano.
Por outro lado, talvez menos relevante mas não negligenciável, temos a evolução da situação geopolítica e das sanções internacionais, que afeta sobretudo o continente europeu, mas que poderão também moldar os próximos anos.
O conflito na Ucrânia não está mais perto de sair do terreno para a mesa da diplomacia, e não se espera que tal possa acontecer ainda no próximo trimestre, ou até ao final do ano. A situação pode até espoletar novos problemas geopolíticos ou perigosas cisões – como vimos recentemente com a espécie de “revolta na Bounty”, levada a cabo pelo grupo Wagner.
Embora os investidores tenham, de certa forma, aprendido a viver com o cenário de guerra – e a perspetiva de um ciclo de uma nova cortina de ferro, marcada por menor globalização –, a perspetiva do poder de uma potência nuclear cair na rua é um facto que, decerto, pode alimentar mais incerteza na economia e nos mercados internacionais.
‘Bottoms’ up’: o que significa tudo isto para Portugal?
No ano em curso, a economia portuguesa parece estar imune aos desafios, apesar da UE continuar a patinhar em areias movediças. Na verdade, muita desta aparente imunidade está associada ao perfil económico atual da economia nacional, onde o turismo vale atualmente, direta ou indiretamente, cerca de 20%.
A curto prazo, Portugal deverá continuar a beneficiar da dinâmica de recuperação do turismo, percecionado como um “porto seguro”, e da expectativa de implementação da agenda de transformação suportada pelos fundos europeus.
No entanto, e olhando mais à frente (12 meses), importa notar que o nível da inflação e das taxas de juro influencia a confiança e o consumo, e caso não haja dinamismo económico para que os rendimentos acompanhem, poderão originar situações de maior desigualdade, ainda que, economicamente, o país possa ter leituras de crescimento económico.
Portugal tem tido um cenário de polémica política, mas continua a ter estabilidade política para, nos próximos dois anos, impor reformas que permitam debelar os problemas estruturais de competitividade do país, de forma a não depender tanto de variáveis como o Turismo ou da entrega de fundos europeus.
O autor assina este ensaio na qualidade de Presidente do Internacional Affairs Network.