Há limites para a história do ser e parecer. Alguém se deu ao trabalho de divulgar esta semana uma lista de personalidades do Governo, das autarquias, da justiça e outros que, em alguma altura da sua vida, pediu bilhetes ao clube – no caso, o Benfica – para ir a determinado jogo de futebol. Primeiro o ministro das Finanças, agora o primeiro-ministro quando era Presidente de Câmara.
E então? Este facto, por si só, não mereceria sequer nota, a menos que na sequência desses pedidos fossem contados episódios concretos de favorecimento a esse clube ou funcionários pelas pessoas que fizeram esses pedidos. Estarão a pensar: pessoas politicamente expostas ou semelhantes têm um dever de reserva e independência quando se trata de aceitar presentes. Certo. E está regulado.
No caso de António Costa, nem tentaram. Limitaram-se a sugerir que o primeiro-ministro aceita compadrios com clubes. Ficará o assunto por aqui ou será que ainda se vão lembrar de, seis anos depois, fazer buscas à Câmara de Lisboa, como fizeram no Ministério das Finanças quando se tratou de Centeno?
Houve alguma irregularidade cometida por Centeno? Há cerca de mês e meio parecia que sim, a julgar pela facilidade com que os jornais puseram o ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo nas capas dos jornais a sugerir que este seria constituído arguido. Poucas semanas depois, o caso é arquivado. “Tramitação habitual”, disse a Procuradoria-Geral da República.
Durante vários dias, tivemos um ministro das Finanças e Presidente do Eurogrupo nas capas de jornais sob suspeita, com especulação de que poderia ser constituído arguido e aparatosas buscas no Ministério, onde os jornalistas, mais uma vez, chegaram antes dos investigadores. Ora, se um ministro das Finanças não se pode comportar como um qualquer cidadão quando se trata de pedir convites “para ir à bola”, então também não pode ser tratado como um cidadão qualquer quando se trata de iniciar uma operação de buscas com direito a todo o habitual aparato mediático.
No mínimo, quem autoriza buscas a este nível, tem que estar muito seguro da sua decisão. Mas pelos vistos não estaria. Terá sido mais para dar espetáculo mediático do que para fazer Justiça. E como o espetáculo correu mal, arquivou-se o processo em tempo recorde.
Dizer (acusar) que aceitar ou pedir um convite para ir ao futebol belisca, por si só, a independência, é risível. Estaríamos muito mal, aliás, dado que não há jornalista neste país que não vá ao futebol, concertos e até viagens a convite de empresas. E não é só convite. São os próprios a tomar a iniciativa. Quer isto dizer que deixaram de escrever sobre estas empresas? De todo. Quer isto dizer que deixaram de dar notícias quando estas eram negativas? Também não. Quer isto dizer que o Ministério Público entra por uma redação adentro à procura de favorecimentos? Não. Nunca. E ainda bem.
Naturalmente que não podemos exigir à classe jornalística o mesmo rigor que exigimos a quem nos lidera e que elegemos. Mas não deixa de ser curioso como estes temas são tratados, encadeando factos, sem que haja uma relação provada ou verdadeiramente indiciada entre eles, por forma a sugerir toda uma trama de influências. Nesse caso, poderíamos fazer precisamente o mesmo raciocínio para a forma como nos chegam grande parte das notícias. Portugal anda mais papista que o Papa.