Um recente estudo de opinião revelou números que deveriam deixar os portugueses aterrados (ICS-ISCTE para SIC/Expresso). Mais de 70% dos portugueses dizem que o Governo é “mau” ou “muito mau”. Com a derrocada nas intenções de voto no PS e o aumento do voto no PSD, os dois partidos agora equivalem-se, assim como estatisticamente se equivalem a soma dos votos em todos os partidos ditos de esquerda e a soma de todos os partidos ditos de direita. Em conclusão, Portugal bloqueado.
Estes e outros números conhecidos dizem-nos que a maioria dos portugueses perdeu ou diminuiu muito a confiança nos partidos e nas instituições do Estado, e até mesmo nos cidadãos entre si. É uma situação muito perigosa que conduz a rápido empobrecimento do país, degradação das instituições chave para a coesão social, baixa natalidade, fuga para o estrangeiro, mais corrupção, mais destituídos.
Milhares (ou milhões?) de posts e comentários nas redes sociais revelam que a chacota política se transformou em insulto primário e boçal, o ódio partidário ou a personalidades políticas foi normalizado, a acusação de racismo ou a representação racista são armas de arremesso corrente. Apenas 11% dos portugueses revela não ter qualquer preconceito racista (ESS – European Social Survey).
Já em 2011, um estudo revelava que a quebra de confiança está no cerne dos problemas das instituições políticas e no centro do debate político e social em Portugal (ESS). No último ano, a confiança dos cidadãos nos eleitos e na administração pública foi esmagada.
Políticos com elevadas responsabilidades deixaram de ter qualquer preocupação sobre a correção ou competência dos seus atos, a transparência foi substituída por opacidade, a assunção de responsabilidade é rara, vários não se inibem de mentir com frequência, ou até sempr,e pois sabem que daí não advirá qualquer consequência, nem no presente, nem no futuro.
Os portugueses perceberam que a irresponsabilidade política, agravada pela corrupção, imperam. Cada vez esperam menos dos partidos e do Estado. Cada um à sua vida. É um desastre para a confiança na democracia, no Estado democrático.
A importância da confiança é crucial: capital social é essencialmente a quantidade de confiança disponível e é o principal elemento que caracteriza a cultura política das sociedades modernas (Putnam). Sem confiança a sociedade desintegra-se (Simmel). A confiança é um elemento da estabilidade social (Misztal). Sem confiança não há contrato social.
A erosão da confiança tem sérias implicações para a economia, pois a confiança é fundamental para os negócios. A confiança é como uma teia interdependente que conecta todos os atores da economia e influencia como trabalham juntos para impulsionar o crescimento (Kalish).
Em macroeconomia – incluindo contextos como negócios, países, líderes empresariais, funcionários e outros participantes do mercado – a confiança constrói-se e mantem-se agindo com competência e intenção. Competência é fundamental para a confiança e refere a capacidade de executar, de cumprir o que se diz que se fará, cumprir a promessa. Intenção refere o motivo por detrás das ações, incluindo justiça, transparência e impacto. Um sem o outro não pode construir ou reconstruir a confiança – ambos são necessários (Kalish).
A ausência de capital social, de confiança entre os cidadãos e entre estes e a instituições do Estado, é reconhecido como um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento económico. Desde há muito que Portugal se caracteriza por baixos níveis de confiança nas instituições públicas e fraco envolvimento cívico, em parte resultado de casos de ineficácia dos organismos públicos e da corrupção (Open Government Partnership).
Segundo o Eurobarómetro (2020), 55% dos portugueses não participam em nenhuma organização cívica, enquanto na Dinamarca são apenas 32%. Em Portugal, apenas 38% dos cidadãos acreditam que o seu envolvimento financeiro terá algum impacto na economia, enquanto na Dinamarca o valor sobre para 55%.
Capital social é um investimento em relações sociais que tem de ser feito para que exista e cujo retorno ocorrerá num amplo mercado definido como económico, político, laboral ou comunitário. Os processos de capitalização envolvem estruturas hierárquicas, redes sociais (fortes e fracas) e atores diversos (Lin).
Redes de confiança e relações sociais que permitem colaboração são a matéria-prima do capital social. O seu valor reside na sua capacidade de transferir ou facilitar outras formas de capital – financeiro, simbólico – beneficiosos para indivíduos ou organizações. Uma vez mobilizado, o capital alimenta-se a si mesmo: as relações de confiança geram outras relações de confiança (Luoma-aho).
Capital social também é definido como um bem público, como uma quantidade para potenciar participação, orientação cívica, e confiança em outros e está disponível a cidades, estados ou nações. Outro conceito de capital social é importado do princípio económico de ação racional (Coleman). Capital social são obrigações morais, valores sociais – especialmente confiança. A acumulação de capital social resulta num sistema económico a funcionar bem e num elevado nível de integração política (Putnam).
Confiança são expectativas partilhadas, ou seja, é um estado emocional que pode ser acumulado e, logo, fazer parte do capital social (Bok). É uma expectativa na integridade do outro, principalmente quando não existe a capacidade de controlar (Finuras).
Mas a confiança é um elo frágil. As atividades fraudulentas, ou a mentira dos poderosos, exploram o carácter valioso da confiança. Os cidadãos estão confiantes de que existem instituições e processos para verificar se as normas são cumpridas ou se as contas estão corretas. Duvidar da sua idoneidade e correção é duvidar de toda a estrutura, o que torna o seu impacto tão insidioso: as fraudes, a mentira e a corrupção degradam a fé em todo o sistema.