Em setembro do ano passado, escrevi neste espaço uma coluna explicitando as múltiplas razões pelas quais Portugal é um país desenvolvido, moderno e democrático e do qual nos devemos orgulhar. E fi-lo com recurso a inúmeros títulos de imprensa estrangeira bem como a estudos e rankings publicados por entidades internacionais tais como o World Peace Index (somos o nº4…) ou os estudos PISA da OCDE, onde nos apresentamos acima da média e à frente de países como os EUA e o Reino Unido.
Vivemos um período dourado que durou quase três anos e em que aparecíamos na imprensa estrangeira como o “pretty boy” dos países europeus, com referências elogiosas no “New York Times”, no “Guardian”, no “Financial Times”, no “Le Monde”, suscitando o pasmo da imprensa espanhola que, incrédula, denunciava o sentimento de ver o seu país ultrapassado pela direita, um pouco como nos idos de Quinhentos. De repente, o vento da história parecia soprar de feição. Da Eurovisão ao Euro, passando pelo Secretariado Geral da ONU e pela presidência do Eurogrupo, o país pairava nas nuvens, e o sempre otimista Marcelo Rebelo de Sousa declarava mesmo sermos os “nórdicos” dos tempos de hoje…
O capital tão dificilmente acumulado, o mesmo que nos custou quase 20 anos de crescimento zero, um lustre de sacrifícios fiscais e salariais dos quais ainda não recuperámos totalmente, foi agora por água abaixo e, a mesma imprensa que tanto nos admirava, brinda-nos agora com títulos como “O primeiro-ministro de Portugal diz que manter as nomeações na família do Partido não constitui uma preocupação” (“New York Times”, 28 de março).
O “ABC” – o mesmo que desatou aos gritos sobre as celebrações da primeira viagem de circum-navegação – faz agora questão de perseguir o nosso governo, até pelo facto deste ser socialista e do “ABC” ser de uma direita rançosa que até tem graça (pelo ranço, é claro!). Pois diz o ABC de 9 de março sobre o inenarrável Carlos César: “O presidente dos socialistas portugueses bate todos os recordes a meter cunhas”. Bom, a palavra utilizada foi “enchufismo”, que não tem tradução direta mas, enfim, dá para entender.
E o mesmo “El País” que ainda há um ano titulava, a propósito de Centeno, “E uma vez mais, ganha Portugal”, vem agora com uma série de artigos jocosos dos quais o último titula “O ‘familygate’ cobra a primeira vítima do Governo português.” Já temos direito ao nosso gate! Em Espanha é um forrobodó, até o “El Mundo” e a RTVE dedicaram espaço ao assunto. Respira-se de alívio, afinal Portugal é mesmo tão mau e irrelevante como em Espanha sempre pensaram. Em França, o “Courrier” também titula “Em Portugal, o ‘familygate’ faz tremer o Governo socialista”.
Tudo já foi dito sobre este problema. O mesmo já tinha contaminado governos do PSD e até o impoluto Marques Mendes que veio agora pedir perdão por pecados antigos. O problema é cultural. Um irmão meu, nada socialista, dizia, “Eh, pá, então se fosses tu não davas uma ajuda a uma sobrinha?”… A resposta é simples: dava mesmo. Porém, eu não sou político, não tenho poderes para fazer acontecer coisas usando influências e, sobretudo, não o posso fazer recorrendo para isso a dinheiro público e prejudicando, nos casos em que aos nomeados falte a necessária competência, a bondade necessária à administração da coisa pública.
E pronto. Cá estamos nós. Voltámos ao último lugar da Eurovisão e, afinal, o nosso Governo, o nosso país, já não são exemplo internacional.
Que pena que tudo se tenha desbaratado no rumo anunciado desde a nomeação do “primeiro-amigo”, Lacerda Machado, para dar uma ajuda ao Governo. E que bom que seria que enterrássemos de vez esta malfadada tendência para triunfar no heróico e soçobrar no pedestre.