O debate em redor do papel a desempenhar por Portugal na NATO está novamente na ordem do dia, uma vez que o Ministério da Defesa Nacional se prepara para rever o conceito estratégico de defesa nacional.

Esse papel deve inserir-se na questão mais geral da atuação nacional no quadro multilateral, para não ir mais longe. Deve estar subordinado a uma “capstone idea”. Para além do fornecimento de segurança e da solidariedade, esse debate deve centrar-se naquilo que o país pode beneficiar da Aliança, como maximizar os seus objetivos de política externa, e naturalmente, como posicionar-se no seu seio; deve ser feito tendo em conta algumas condicionantes geostratégicas e geopolíticas a montante.

É incontornável incluir neste exercício o impacto negativo das adesões à NATO da Espanha e dos países do ex-Pacto de Varsóvia e da ex-União Soviética na importância relativa de Portugal na Aliança. A diminuição da importância estratégica do Atlântico e por arrastamento dos Açores no cálculo geopolítico norte-americano, agora orientado para o Indo-Pacífico e o Leste europeu, não vieram beneficiar a importância do território nacional.

Com a adesão da Espanha, Portugal deixou de ser o único interlocutor ibérico da Aliança. Apesar das relações de cordialidade existentes entre Portugal e Espanha, não podemos nem devemos esquecer que a Espanha é um concorrente geopolítico de Portugal: partilha um espaço geográfico contiguo, igualmente atrativo para a potência marítima; tem uma dimensão territorial superior; dispõe de portos no Mediterrâneo e no Atlântico, para além de outras infraestruturas.

A sua agenda sobrepõe-se, ou pode potencialmente sobrepor-se à portuguesa, com a vantagem de ter mais recursos. Não é de admirar que a redução da presença militar norte-americana nos Açores tenha sido acompanhada pelo seu aumento em território espanhol.

Por outro lado, por terem as suas agendas de política externa alinhadas com a dos EUA, os novos membros da Aliança oriundos do leste europeu ganharam um protagonismo excessivo numa NATO regressada ao artigo 5.º, orientada contra a Rússia. O alargamento da Aliança não aumentou ou reforçou a posição de Portugal. Pelo contrário, tornou o país menos útil. Apesar destes desenvolvimentos, não se pode permitir que a política externa destes países tome de assalto a agenda da Aliança, porque as preocupações securitárias da Aliança não se reduzem ao Leste europeu. Têm de incluir o Mediterrâneo e o Magrebe.

Colocadas estas questões condicionadoras da margem de manobra nacional, premissas a ter em conta no delineamento de uma estratégia, cabe refletir sobre o que fazer, sobre a identificação de oportunidades. É inquestionável a participação solidária nas ações da Aliança, nomeadamente nas suas operações militares. Mas há que ter em conta que a NATO é um fórum de competição entre os seus membros.

Por isso, a ação nacional na Aliança não pode nem deve reduzir-se à solidariedade, nem à “produção de segurança”. O facto de uma pequena potência ter de se inserir cooperativamente na estratégia do coletivo, não podendo afastar-se da postura do grupo, não impede que arregimente aliados para promover a sua própria agenda.

Portugal deve identificar domínios, que não apenas o securitário ou cinético, do seu interesse e conveniência. Deve construir reputação em áreas de especialização que a estratégia nacional selecione como importantes, e usá-la no momento certo, conforme o discurso político das grandes potências. Há que selecionar nichos de intervenção onde o interesse nacional possa ser mais bem defendido, como, por exemplo, o “Diálogo para o Mediterrâneo”.

Por ser um híbrido político-militar, a NATO deve ser encarada como uma entidade com um raio de ação que se estende para lá da segurança, alargando-se a muitos outros campos como a cooperação científica (Ciência para a paz, Organização para a Ciência e Tecnologia, etc.) e industrial, sobretudo na conjugação destes dois aspetos. O debate sobre as escolhas nacionais em matéria de NATO terá de incluir os domínios não cinéticos. A construção de uma “capstone idea” não pode desprezar estes caminhos.