A forma como foi saudada pela parte portuguesa a visita a Portugal do Presidente da República Popular da China não podia ser ignorada pelos Estados Unidos. Por isso, apenas uma dúzia de dias após a passagem de Xi Jinping, a Administração Trump enviou a Lisboa o vice-secretário-adjunto do Departamento de Estado para Finanças Internacionais e Desenvolvimento.

Roland de Marcellus desembarcou na capital portuguesa com uma missão muito clara. Vinha avisar o Governo de António Costa para o perigo do investimento estrangeiro em áreas sensíveis para a segurança nacional. Uma preocupação decorrente não apenas do investimento chinês no setor energético, mas também dos acordos relacionados com a nova Rota da Seda.

A Administração Trump receou que os governantes portugueses não se tivessem apercebido de dois aspetos. Primeiro, que só houve investimento chinês na REN e na EDP porque o mesmo foi aprovado e subsidiado pelo Governo de Pequim. Segundo, que esse investimento pretensamente comercial faz parte de uma estratégia política. Uma forma de dizer que a República Popular da China está em processo de expansão para Ocidente e que Portugal se assume como um alvo geoestratégico.

A China sabe que, por conta da integração europeia e da condição lusófona, Portugal vale bem mais do que a sua exígua dimensão continental. Além disso, os arquipélagos atlânticos, sobretudo os Açores, representam um ativo que merece muita atenção. Até porque está em apreciação o processo de extensão da Plataforma Continental.

Todos estes dados são, também, do conhecimento norte-americano. Só que os Estados Unidos estão habituados a que, em nome de um paradoxo atlântico cultivado há décadas, os governantes de Lisboa se contentem com uma amizade privilegiada. Uma espécie de amigo colorido, mas avesso a matrimónio. Daí a exiguidade do caderno reivindicativo português

Face ao exposto, não parece abusivo concluir que a vinda de Roland de Marcellus a Lisboa representou mais do que um aviso. Significou um marcar de terreno. Uma estratégia habitual no mundo animal e que as grandes potências não se inibem de copiar. Algo que, embora não assumido como ingerência externa, acaba por condicionar – um eufemismo – a política interna dos países da periferia. Um comportamento que o centro justifica em nome do interesse do país a quem aconselha. Maquiavel revisitado.

Os Estados Unidos sabem bem que descuraram a relação com Portugal. Não tiveram na devida conta que a manutenção de um Estado demasiado consumista obrigava a privatizar setores que nunca deveriam passar para mãos particulares e, muito menos, estrangeiras. Uma estratégia que não dá mostras de parar enquanto houver bens para privatizar. Foi essa circunstância que obrigou a Administração Trump a mandar um enviado a Portugal.

Um adágio popular lembra que os vizinhos acontecem, mas os amigos escolhem-se. Por isso, Marcellus acredita que a força da palavra será suficiente. Resta saber se o poder chinês se fica ou vai a jogo. A segunda hipótese como mais plausível. De mansinho, obviamente.