1. Os dados do Barómetro Global da Corrupção, divulgados esta semana pela Transparência Internacional, não mentem: os portugueses acham que o país que habitam é um antro de corrupção.

Alguns indicadores apurados: 88% dos inquiridos acreditam que há corrupção no Governo; 63% dizem que esse mesmo Governo está capturado pelos grandes interesses; 41% afirma que as coisas pioraram no último ano e outros 41% que “está na mesma”.

Na lista dos maiores suspeitos estão os deputados, os banqueiros e os empresários.

2. O único dado otimista dentro da União Europeia é que – diz o relatório – 64% das pessoas acreditam que os cidadãos comuns podem fazer a diferença no combate à corrupção. Em Itália e Irlanda este número ultrapassa os 80% e em Portugal chega aos 85%.

Confrontados com esta realidade, para a qual muito contribuem diária e generosamente, os propagandistas avençados do regime desabafam nas redes sociais que o problema está no Chega. Ou seja, André Ventura não é uma consequência desta realidade; para aquelas cabecinhas, terá sido ele, Ventura, que, ao chegar, criou este país e esta realidade. Extraordinário, sem dúvida.

3. Este estudo só pode surpreender quem viva na bolha.

Quem viu como foi descartada a anterior Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, o ex-presidente do Tribunal de Contas, Vítor Caldeira e alguns diretores da PJ;

Quem assiste à forma monárquica como o PS reina em Portugal e nomeia quem quer e como quer para cargos do Estado que não deveriam ser aprisionados pela ‘confiança política’;

Quem olhou com olhos de ver para o escândalo que rodeou a nomeação do procurador português José Guerra para a Procuradoria-Geral Europeia;

Quem entende como funciona o bloco central de interesses, mesmo em tempos de aparente ‘geringonça’ ou do que resta dela, e como se comportam alguns deputados ao serviço dos seus eternos patrões privados;

Quem vê isto e muito mais a desfilar diariamente aos seus olhos – por exemplo: como se distribuem os grandes negócios – e não se sobressalta, não percebe como tem sido afetada a confiança das pessoas nas instituições nacionais é, com certeza, parte do problema.

4. Neste caldo nacional, a aplicação dos fundos europeus, que significam até 2030 uma injeção financeira maior que a da troika (porque muito desse dinheiro vem sob a forma de ‘fundo perdido’), tem de ser submetida a um controlo férreo que deve envolver toda a sociedade. Pessoalmente, não tenho qualquer dúvida: ou é criada uma rede de segurança e vigilância com vários níveis de proteção ou temos aqui mais uma tragédia anunciada e motivos para novas notícias escandalosas no futuro, razões para temer o pior e o agravamento da perceção da corrupção.

Como se tem visto, mesmo na Europa, num dos espaços civilizacionais mais avançados do mundo, a corrupção é rápida no ligar dos aspiradores. As pessoas são o que são e não há que ter esperanças vãs.

Aquilo que faz a diferença é o escrutínio, uma boa investigação, uma Justiça rápida, estruturas sociais a funcionarem libertas e sem medo. Sem isso não há integridade. E o Governo, os sucessivos governos, deve(m) ser julgado(s) pelo que somos por baixo deste céu bonito. A Liberdade é muito mais do que podermos dizer o que queremos – e, nesse aspeto, o país não cumpriu a utopia de Abril de 1974. Não tem a ver com pessimismo, muito menos com extremismo. É a realidade, o funcionamento do Poder e da economia. É ‘isto’.