Os jornalistas portugueses têm sido acusados de contribuir para o pânico em torno da epidemia de coronavírus, devido a uma cobertura alegadamente alarmista e sensacionalista. Tem havido inclusive memes e outras paródias sobre o trabalho dos jornalistas, como se fôssemos um bando de irresponsáveis sedentos de sangue (interrogo-me sobre o que diriam muitos desses críticos se vivessem num país sem jornalismo livre e com informação censurada). Mas será que essa cobertura tem sido realmente alarmista, tendo em conta a gravidade do que está a acontecer em Itália e do que poderá suceder em Portugal, se não forem tomadas medidas urgentes?

Não creio. Com algumas exceções, os media portugueses não estão a exagerar quando noticiam o surgimento de casos de Covid-19 no nosso país ou quando dão conta do que está a acontecer noutras parte do mundo. Trata-se de uma doença grave, que em poucas semanas pode matar centenas de pessoas e deixar muitas outras entre a vida e a morte. Os portugueses têm o direito de conhecer a gravidade da situação e de saber que medidas devem tomar para se proteger. Disparar sobre o mensageiro não vai fazer com que a epidemia desapareça.

Além disso, é importante dizê-lo, informar sobre esta situação não é o mesmo que espalhar o pânico. Uma coisa é o pânico descontrolado, que se caracteriza pela inexistência de ordem e por constituir ele próprio um risco para a segurança das pessoas. Outra, completamente diferente, será alertar a população para uma situação que ameaça a sua saúde, levando as pessoas a modificar comportamentos e a preparar-se para uma eventual situação de quarentena. Com mais ou menos ansiedade por parte das pessoas e escassez de alguns bens essenciais, este processo de consciencialização coletiva que está a decorrer em Portugal não tem sido acompanhado de pânico, histeria coletiva ou corridas aos supermercados, que ponham em causa a segurança de quem quer que seja. Simplesmente, está a colocar em causa o sossego de uma sociedade que desconhecia há muitas décadas o que são epidemias.

É irritante ver, ler e ouvir notícias sobre o coronavírus a todo o momento? Claro que sim. É deprimente ser bombardeado com mortes e desgraças? Obviamente. É aborrecido sermos forçados a ficar em casa e colocar em standy by atividades de que gostamos? Certamente. Mas a vida é assim, por muito que não queiramos olhar de frente para os problemas. E neste momento vivemos uma situação excecional que teremos de superar juntos, enquanto comunidade, enquanto cidadãos livres de uma república livre.

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Ainda assim, em Portugal há quem continue a desvalorizar o perigo, repetindo o argumento de que o Covid-19 é apenas uma espécie de gripe mais forte e que só deve preocupar as pessoas que fazem parte de alguns grupos de risco, nomeadamente quem tem mais de 60 anos ou sofre de alguma doença que enfraqueça o sistema imunitário.

Este raciocínio padece de dois problemas. O primeiro é que desvaloriza a situação das pessoas mais vulneráveis à doença, como se a mesma fosse menos grave por só afetar os mais velhos e frágeis. As vidas destas pessoas não valem menos que as outras e todos temos o dever de tomar precauções para impedir a propagação do vírus. Haverá alguém que, no seu dia a dia, não tenha contacto com pessoas que fazem parte daqueles grupos de risco? Todos temos o dever cívico de contribuir para os esforços de erradicação da epidemia.

O segundo pressuposto errado reside em comparar o Covid-19 à gripe vulgar. Ambas as doenças podem começar com uma simples tosse, mas uma delas é muito mais perigosa, quer pela maior facilidade de contágio, quer pela sua letalidade.

A gripe mata cerca de três mil pessoas por ano em Portugal, com uma taxa de letalidade de entre 0,1% e 0,2%. Já a do Covid-19 estará entre os 0,7% e os 3,4%, com alguns cientistas a apontarem para um valor médio de 2,4%. O que significa que, no pior cenário, poderão morrer à volta de 30 pessoas por cada mil infetadas pelo novo coronavírus, contra apenas duas no caso da gripe. Além disso, cerca de 10% dos doentes com coronavírus podem necessitar de cuidados intensivos. Claro está que o nosso sistema de saúde terá muita dificuldade em enfrentar estes desafios, à semelhança do que acontece em Itália.

Neste cenário extremo, se um milhão de portugueses tivesse a doença, o número de mortos no nosso país poderia rondar os 30 mil, ao longo de um ano. Já o número de vítimas fatais a nível global ascenderia a largas dezenas de milhões. Alguns epidemologistas defendem mesmo que, se o coronavírus não for contido, poderá chegar a 70% da população mundial no espaço de um ano. É só fazer as contas: confirmando-se uma taxa de letalidade de entre 0,7% a 3,4%, o impacto à escala global seria muito significativo, talvez comparável apenas ao da gripe espanhola de 1918, que terá ceifado as vidas a mais de 50 milhões de pessoas.

São estes números assustadores que explicam as medidas radicais que os governos de todo o mundo estão a pôr em prática para tentar conter a doença e impedir que se torne uma pandemia. E são estes números que devemos ter em conta quando nos pedem para fazermos a nossa parte na luta contra o coronavírus.

Sejamos honestos, medo da doença todos temos, a menos que sejamos tontos. Se não por nós, pelas pessoas de quem gostamos. Mas ter medo não é o mesmo que ser dominado por esse sentimento. O que temos de fazer é unir a nossa comunidade, deixar de lado os queixumes e os assomos de falsa valentia (o vírus quer lá saber se temos ou não medo!) e fazer o que for preciso para acabar com esta doença de uma vez por todas. É assim que se vencem as guerras e com esta não será exceção.