O mundo continua a ser um lugar perigoso. As esperanças de que o fim da Guerra Fria significasse o fim da história de conflitos, muitas vezes violentos, em torno de diferentes modelos políticos ou de interesses económicos divergentes, revelaram-se manifestamente exagerados.

É verdade que, depois de 1945, não tivemos uma Terceira Guerra Mundial. Porém, isso deve-se em parte ao risco de suicídio mútuo que representaria uma grande guerra entre grandes potências com vastos arsenais nucleares. Mas esta paz armada não impediu a existência de múltiplos conflitos violentos e a proliferação de organizações armadas. E as ameaças violentas são apenas um dos riscos mortais num mundo em que as alterações climáticas tornaram todo o tipo de catástrofes naturais mais frequentes e mais fortes, mesmo em regiões, como Portugal, onde tinham sido tradicionalmente raras.

A isto acresce a multiplicação em potências importantes, de líderes como Putin na Rússia, Xi na China, e, sobretudo, Donald Trump nos EUA, com interesse em dividir para reinar na Europa. Portugal pode vir a ver-se confrontado, em breve, com a necessidade de tomar opções muito complicadas, por exemplo, entre uma tradicional relação forte no campo da segurança e defesa com os EUA e um reforço do investimento da China no país

O que fazer? Qual a resposta? Qual a estratégia de Portugal perante todas estas mudanças, muitas delas perigosas? O conceito de estratégia tem a sua origem na palavra grega antiga strategos, geralmente traduzida por general. Na verdade, o strategos era um cargo político-militar encarregue da direção superior da guerra. Seja como for, o termo estratégia surge associado à arte de ser general, embora desde o início inclua uma dimensão política e não simplesmente militar. Será preciso esperar por Clausewitz, o patriarca da estratégia contemporânea, para começar a ser mais explicitada essa forte dimensão política da estratégia.

Já no século XX, o famoso estrategista britânico Basil Liddell Hart (1895-1970) afirmou: “o papel da grande estratégia – ou estratégia superior – é coordenar e direcionar todos os recursos de uma nação, ou grupo de nações, para atingir […] uma meta política fundamental.” A estratégia requer, em suma: capacidade de avaliação e de planeamento; definição de uma visão sobre o papel de um Estado no mundo; e um nível de ambição adequado quanto às capacidades e meios de ação adequado para atingir determinados objetivos prioritários no médio ou, mesmo, no longo prazo.

Mas pode Portugal ter uma estratégia? A resposta poderá parecer evidente, mas não é. É verdade que se não considerasse que Portugal pode e deve ter uma estratégia, dificilmente escreveria este texto, ou o ensaio que está na sua base. E é um facto que não faltam em Portugal documentos com estratégia no título. Porém, a estratégia não deve ser confundida com um documento, o qual, desde logo pode não ser implementado, não passando, assim, de uma declaração de intenções vazia, e que precisará, em todo o caso, de ser periodicamente revisto.

Um plano fixo, um documento-guia seguido religiosamente também não é estratégia, é cegueira. Ora, em Portugal são frequentes as queixas e exemplos concretos de falta de uma visão estratégica, de falta de capacidade de planeamento, coordenação e implementação, dominando uma cultura organizacional em que reina o improviso. E se o improviso é frequentemente muito útil, o que o improviso não é, por definição, é uma estratégia.E este tipo de respostas ad hoc tem um preço. O que nos leva a uma série de paradoxos.

Portugal, um país relativamente fraco em gente e em recursos, tem resistido como Estado independente, quase sem interrupção, ao longo de oito séculos. Portugal conseguiu ter um impacto significativo no sistema internacional a ponto de ser o criador da primeira grande estratégia verdadeiramente global. E, no entanto, passou por crises terríveis, como a de 1578-80, onde perdeu a sua efetiva independência, que só recuperou em 1640, ou entre 1807-1811 em que esteve sujeito às invasões napoleónicas. E num período mais próximo de nós, caiu numa crise económica e financeira tão aguda, que obrigou, em 2011, a um quase-protetorado da chamada Troika, formada pelo FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu.

Será que os sucessos de Portugal foram fruto do improviso, e os fracassos resultado da ausência de uma estratégia, de um excesso de seguidismo, ou do chamado “complexo do bom aluno”? Ou estaremos, sobretudo, perante a dificuldade de um Estado relativamente fraco manter o seu rumo perante Estados muito mais poderosos e face a tendências globais irresistíveis? Ou será que Portugal tem tido uma grande estratégia, dispersa em vários documentos estratégicos, mas precisa de melhorar a eficácia da sua coordenação, implementação e revisão? Ou seja, estaremos confrontados com a impossibilidade de uma pequena potência como Portugal ter uma grande estratégia eficaz?

É um facto que Portugal é um Estado com um território e uma população relativamente reduzidos e com recursos naturais relativamente escassos. O que significa que o país é, desde há séculos, fortemente dependente das suas relações com o exterior. Exemplos perfeitos desta dependência do exterior são, por um lado, o forte peso na história nacional da emigração e das respetivas remessas de divisas, que foram frequentemente cruciais para equilibrar as contas do país; mas também a necessidade secular de importar alimentos em grandes quantidades; ou, ainda, a importância vital de alianças com grandes potências, como a Grã-Bretanha e os EUA.

E como todos os Estados relativamente fracos, Portugal tem uma margem de manobra mais reduzida no campo externo do que as grandes potências. Porém, nem mesmo as grandes potências podem simplesmente fazer ou obter o que querem num palco tão complexo e competitivo como é a política global. Se há um dado essencial na estratégia é precisamente que, nas palavras do general Cabral Couto, patriarca da dita escola portuguesa de pensamento estratégico, cabe à estratégia: “estabelecer e hierarquizar os objetivos e gerar, estruturar e utilizar os recursos […] a fim de se atingirem aqueles objetivos num ambiente […] conflitual ou competitivo”.

A história da estratégia do Estado português é um exemplo de relativo sucesso. Sucesso relativo em ler bem a situação geopolítica do país e traduzi-la, em tempos normais, numa visão adequada do seu lugar na política internacional. Algo como os Descobrimentos seria impensável sem planeamento e uma implementação coordenada ao longo de décadas, em função de determinados objetivos prioritários, como o de procurar aliados e riquezas exóticas, como suplemento de poder ultramarino. Este é um sucesso qualificado porque, simultaneamente, encontramos na história de Portugal uma frequente dificuldade em perceber mudanças significativas no contexto global e antecipar uma resposta, nomeadamente, quando essas mudanças acabam por ter um impacto negativo importante.

Uma mudança significativa de grande estratégia é sempre um desafio difícil, em qualquer Estado, mas é-o ainda mais no contexto de uma cultura estratégica como a portuguesa. Defendemos que há um problema central na cultura estratégica portuguesa, que é a aversão ao planeamento sistemático. Daqui decorre uma grande dificuldade em prever e responder a grandes mudanças no sistema internacional, com um custo ainda mais elevado do que seria inevitável que tivessem. O planeamento estratégico não garante respostas ótimas e sem custos, muitas vezes esse tipo de resposta não existe na política internacional, mas deve permitir obstar a erros e custos evitáveis.

Portugal pode e deve desenvolver melhor uma estratégia nacional, num contexto externo de crescente incerteza e riscos acrescidos. Apontamos, nomeadamente, para: a criação de um Secretariado e Conselho de Segurança Nacional na dependência do chefe do governo; a obrigação de os partidos políticos gastarem uma percentagem do seu financiamento estatal na criação de um organismo para o estudo e debate de políticas públicas; a obrigação do governo elaborar e debater no parlamento uma Estratégia de Segurança Nacional; ou ainda, a organização de um Fórum Internacional de Segurança Atlântica.

Mas, independentemente destas sugestões concretas, o que sobretudo importa é que Portugal melhore as estruturas de planeamento, coordenação, implementação e revisão da estratégia, com base em boas práticas internacionais. Afinal, da vizinha Espanha à geralmente conservadora Grã-Bretanha, da pequena Áustria até à gigantesca China, tem havido, na última década, uma vaga de mudanças institucionais que visam melhorar a gestão estratégica de ameaças e riscos crescentes e cada vez mais transnacionais, que ultrapassam a velha divisão entre segurança interna e defesa externa.

O que parece evidente é que Portugal precisa de repensar, adaptar e melhorar os instrumentos de resposta a prioridades, riscos e ameaças. Quando temos banqueiros preocupados com o impacto financeiro da degradação ambiental, quando temos furacões a ameaçar os Açores, mesmo num Portugal onde habitualmente isso não acontece, é, certamente, tempo de repensar práticas e prioridades.

 

Bruno Cardoso Reis assina este texto na qualidade de Autor do ensaio “Pode Portugal ter uma estratégia?”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos