É surpreendente a extraordinária repercussão do meu artigo na passada semana sobre o Editorial do Financial Times (FT) dedicado a Portugal, em particular porque a breve análise do FT sobre o país e principais recomendações e avisos foram já feitos dezenas de vezes por políticos, comentadores e colunistas portugueses ao longo dos anos, entre os quais me incluo.
Resumindo, o FT diz que Portugal precisa de:
- Estratégia económica;
- Descer a dívida pública para os 100%;
- Continuar com prudência fiscal, sem austeridade punitiva;
- Mais reforma da administração pública;
- Aprofundar a estabilidade do sistema bancário.
Quanto à substância, nada de novo. Estes tópicos poderiam ser os temas principais da campanha eleitoral do PS, PSD ou CDS. Mas o que basicamente vamos ouvir são promessas imediatistas para eventualmente cumprir.
O elemento diferenciador daquele artigo reside no facto de ter sido escrito por a) um jornal estrangeiro, b) um jornal com o gabarito do FT e, mais ainda, c) pelo Editorial Board daquele influente jornal. O estardalhaço do artigo só revela que o provincianismo continua de boa saúde em Portugal. É ainda precisa uma voz do além para ser ouvida aqui.
O mesmo fenómeno de desprezo pela opinião qualificada portuguesa se verificou quanto à atratividade de Portugal – cidades, vilas, aldeias, paisagens, monumentos, mar, gastronomia, arquitetura, estilo de vida e, acima de tudo, do melhor ativo português, as pessoas – só foram notados pelos portugueses em geral quando os estrangeiros começaram a dizer maravilhas deste “segredo” europeu, e depois começaram a comprar e a estabelecer-se. Esse momento ocorreu nos últimos anos e foi só então que os que cá nasceram começaram a perceber a preciosidade que é este país.
O momento é propício e o contexto obriga os portugueses, em particular os políticos, a abraçar um projeto comum e maior – Portugal, no sentido de comunidade dos portugueses – e a dedicar-se a tornar Portugal great again. Nesse processo seria útil darem ouvidos aos conselhos e avisos dos sábios portugueses, tão sábios ou mais que os jornalistas do FT.
Para que isso seja possível há uma ideia chave e congregadora de mentalidades e esforços que tem de ser adquirida: o “inimigo” não são os outros portugueses; são os nossos adversários científicos, industriais e comerciais de todo o mundo.
As campanhas eleitorais são o momento para os partidos revelarem que têm uma ideia a oferecer aos portugueses, sustentada numa estratégia bem pensada e consubstanciada num plano com propostas concretas.
As palavras-chave são ideia, estratégia, plano. Os partidos têm de mostrar energia, criatividade, pragmatismo, determinação e disponibilidade de cooperação. Devem fazer um esforço e para ir além das propostas de curto prazo, que muitas vezes apenas servem objetivos imediatos com vista à eleição ou reeleição. A coisa tem de ser mais profunda, sustentada no tempo e tanto quanto possível à prova da volatilidade global, cada vez mais intensa. Análises regulares PESTEL e SWOT de Portugal são indispensáveis para se conhecer o terreno que se pisa.
As propostas devem apresentar à discussão dos portugueses uma visão de longo e médio prazos para Portugal no contexto global – cada vez mais fluido e imprevisível. Devem ter como objetivo procurar garantir a viabilidade do país a longo prazo, combater a baixa taxa natalidade, promover ativamente a procriação, construir redes de apoio eficazes às famílias e aos cada vez mais numerosos mães e pais solteiros. Para além da resolução dos eternos problemas do dia a dia como, por exemplo, garantir educação e casa para toda a gente, SNS de qualidade, apagar fogos florestais, segurança nas ruas, proteção do mar português ou projeção do património cultural.
Os partidos devem colaborar com a sociedade civil para a construção de uma nova cultura social, partilhada pelo conjunto nacional, focada na cooperação, no internacionalismo, na abertura ao desconhecido, no regresso do espírito “bandeirante”, na liberdade do indivíduo e no respeito pela individualidade, na prática da experimentação e do falhanço, na aceitação de incerteza e de risco, na premiação do sucesso.
Os governos devem criar condições para que os investidores, os capitalistas, os empreendedores sigam para além do expediente e do “desenrasca” assente em soluções precárias, em investimentos limitados no tempo, no conhecimento, nas oportunidades e nos ativos – como a “aposta no turismo” e na venda de imobiliário – com pouca ou nenhuma incorporação de nova ciência, conhecimento e respetivo valor acrescentado.
Os políticos devem pesquisar, propor e discutir com os portugueses vias alternativas científicas, industriais e comerciais baseadas em ativos já existentes que podem e devem ser potencializados, como por exemplo, maximizar a principal atividade industrial portuguesa – a manufatura de máquinas de todos os tipos – com incorporação de mais conhecimento sofisticado. Em síntese, prosseguir a macro orientação Porter.
Os governos devem garantir condições para a produção de mais conhecimento nas universidades, politécnicos e centros de investigação com aplicação em negócios com capacidade de internacionalização. E também mais educação a partir da creche, mais qualificação e mais apoio aos formadores, em particular de crianças e adolescentes.
Legislação bem feita, fiscalidade previsível e estável, devem ir no sentido de promover continuado aumento da produtividade, o único meio para Portugal sair da estagnação atual. O mercado de trabalho deve permitir flexibilidade e fácil mudança de empregador. Os capitalistas devem desenvolver entre si, e com as universidades, colaboração competitiva na partilha de conhecimento científico, melhores práticas e descoberta de novos mercados.
As práticas de gestão centradas na eficácia e na eficiência para o aumento da produtividade devem ser celebradas. Muitos empresários, que são meros donos de negócios, devem ser incentivados e apoiados a adotar espírito e práticas empreendedoras, com permanente atualização de conhecimento e formação adequada aos mercados internacionais e à contratação bem remunerada de profissionais nas áreas em que precisam de conhecimento que não dominam.
A administração pública, os portugueses e os políticos devem abandonar e combater a pretensão de que o Estado resolve tudo, e por isso se intromete em tudo, quantas vezes com fraca eficácia e demora infinda. É preciso que os políticos falem verdade, que condenem a demagogia populista estridente que vem da esquerda, que se informem e acordem para os tempos e as práticas concorrenciais que ocorrem “lá fora” e nos entram pela casa dentro.
O objetivo dos políticos deve ser a construção de um Estado que crie as condições para que a iniciativa privada seja incentivada a aventurar-se por novos territórios, apoiando o sucesso coletivo e individual a todos os níveis e garantindo que o produto do sucesso é distribuído resultando em mais dinheiro nos bolsos dos profissionais portugueses a todos os níveis, com a progressiva adequação dos salários às elevadas qualificações de cada vez mais pessoas. Se não o fizerem, continuará a diáspora e o empobrecimento intelectual.
Quando os portugueses se sentirem orgulhosos de Portugal para além dos sucessos desportivos e da paisagem, ou seja, quando os portugueses se sentirem orgulhosos e confiantes de si mesmos, Portugal será great again. Partidos, sociedade civil, cidadãos, essa é a vossa missão.