Antes de tentarmos responder a esta interrogação, olhemos para o sistema político português. Somos o único país da Europa que tem um partido comunista da velha guarda que tem o apoio de cerca de 10% do eleitorado. Somos também o único país da Europa Ocidental onde partidos comunistas – PCP e Bloco – representam 20% do eleitorado. E, por fim, estamos a caminho de ser um dos poucos países europeus onde os socialistas e os sociais-democratas ainda são os partidos mais votados.

Ao contrário do que sucedeu em Espanha, França e Itália, onde os antigos partidos do ‘sistema’ perderam grande parte da sua importância ou foram mesmo varridos do mapa, em Portugal os partidos tradicionais mantêm a sua hegemonia, apesar dos sucessivos escândalos de corrupção e da crescente descrença com que muitos portugueses olham para a política. Por um lado, isto acontece porque o sistema está montado para impedir a entrada de novos players na política. Mas também porque nas últimas décadas os portugueses têm sido um povo muito conservador no que toca às preferências partidárias. A maioria dos portugueses não tem ilusões quanto à classe política, mas ao mesmo tempo prefere conviver com o mal que conhece do que arriscar com o (possível) bem que desconhece.

Por outro lado, a contestação social em Portugal é controlada por determinados partidos e corporações profundamente conservadoras (no sentido de que querem manter tudo como está e impedir qualquer reforma do Estado ou mexida nos seus direitos), apesar da importância crescente de novas formas de ativismo nas redes sociais. Só assim se explica que, em três anos de Governo da ‘geringonça’ tenhamos tido mais greves do que nos quatro anos do Executivo de Passos Coelho. A última grande manifestação em Portugal que escapou ao controlo das máquinas partidárias e sindicais foi talvez a que teve lugar em plena intervenção da Troika, para protestar contra a subida da TSU, sendo que mesmo essa não seria possível sem o envolvimento ativo daquelas entidades. Protestos desorganizados como o dos “coletes amarelos” são, pois, de difícil concretização em Portugal.

Mas isto não significa que os portugueses estejam satisfeitos com o regime político. É de recordar, de resto, que em Portugal os regimes não vão abaixo porque alguém os derruba, mas sim porque a partir de certa altura deixam de ter quem os defenda. Foi isto que sucedeu em 1910, 1926 e 1974 e é isto que voltará a suceder um dia, se o nosso sistema político não for capaz de se regenerar e de oferecer aos cidadãos soluções concretas que assegurem uma vida decente para si e para os seus filhos.

Quem defende uma sociedade aberta, com liberdades cívicas, democracia parlamentar e economia de mercado, não pode fechar os olhos à ascensão dos extremismos, que se alimentam da erosão das classes médias, da concentração da riqueza em meia dúzia de mãos e da sensação de que os cidadãos comuns têm cada vez menos direitos, apesar de nunca ter existido tanta riqueza acumulada.