Há uns largos anos, a revista “The Economist” entreteve os leitores com um artigo em que punha à prova muitos ditados ou provérbios. Uma boa parte estão errados, alguns estão certos, como por exemplo aquele referido por Desiderius Erasmus, “mais vale prevenir que remediar”. O problema dos ditados, para quem considera que por serem populares revelam ipso facto sabedoria secular incontestável, são os que transmitem ideias erradas, desde logo do ponto de vista científico, como este: “Quanto mais depressa, mais devagar”. É muitas vezes utilizado quando se está a fazer qualquer coisa e a coisa sai mal porque foi feita à pressa, provavelmente porque não foi devidamente planeada. São circunstâncias em que se aplica com propriedade o ditado “depressa e bem há pouco quem” – que ouvi pela primeira vez utilizado em política por Francisco Sá Carneiro -, mas que surge amiúde convenientemente modificado para “depressa e bem não há quem” para desculpabilizar incompetência ou ignorância.

Muitas vezes invocada, para justificar lentidão de execução como um facto “científico” inexorável e inultrapassável, é a fábula de La Fontaine “A Lebre e a Tartaruga”. A suposta moral da história, muitas vezes mal ensinada às crianças, é que a lentidão vence a rapidez, quando na verdade La Fontaine quis evidenciar dois outros aspetos. Logo no primeiro verso escreveu: “De nada serve correr; é preciso partir na hora” (“Rien ne sert de courir; il faut partir à point”). Enquanto a lebre se diverte, dorme e exibe as suas supostas superiores capacidades, a tartaruga é pontual, persevera, continua o caminho e acaba por ganhar a corrida, mesmo transportando uma casa. A verdadeira moral da história é ensinada nas escolas francesas: cumprir o horário e perseverar.

Foi precisamente quando procurava ensinar a uma criança as virtudes do planeamento (preparação, estudo) e da sua importância na rápida e correta execução de tarefas, mesmo as mais simples, que formulei a minha ideia em várias línguas na frase “ser rápido, sem pressa”. Depois, descobri que essa mesma ideia é, afinal, um dos mais antigos ditados gregos: Speude bradeos. Pode ser traduzido como “ser rápido, mas devagar” ou “mais rapidez, menos velocidade”. Trata-se de um aparente oxímero ou paradoxo e que ficou conhecido pela sua tradução para latim: Festina Lente.

O imperador Augusto adoptou Festina Lente como lema, como uma orientação estratégica nos negócios do Estado e na apreciação que fazia das pessoas, em particular dos seus generais. Segundo Suetónio, Augusto considerava que não havia nada mais inapropriado num leader do que ser apressado e também descuidado. Augusto dizia muitas vezes estas palavras: “Sede rápido, mas devagar, porque um general que não comete erros é melhor do que um bravo”. Augusto prezava o planeamento para uma rápida execução.

Algumas das moedas de ouro cunhadas por Augusto ostentavam a imagem de um caranguejo e de uma borboleta, numa tentativa de criar um emblema para o adágio preferido do imperador. Outras figurações incluem uma lebre dentro de uma casca de caracol ou a mais divulgada, um golfinho enrolado numa âncora. Cosimo I de’ Medici, Grande Duque da Toscânia, adotou Festina Lente como o seu motto (lema) e ilustrou-o com uma tartaruga aprestada com uma vela. E eis-nos, talvez, perante a origem da fábula de La Fontaine.

O maior admirador da sabedoria contida em Festina Lente terá sido Erasmus, nascido poucos anos depois da morte de Cosimo. Leia-se um extrato do elogio de Erasmus àquele provérbio que é notável (“Adagia II, 1, 1: Festina Lente”):

“Se se pesar cuidadosamente a força e o sentimento do nosso provérbio [Festina Lente], a sua brevidade sucinta, quanto é fértil, quanto é sério, quanto é benéfico, quanto é aplicável em todas as atividades da vida, facilmente se será de opinião que de entre a enorme quantidade de ditos não há nenhum com maior dignidade. Speude bradeos deveria ser esculpido em colunas. Deveria ser escrito nos arcos das igrejas, sem dúvida em letras douradas. Deveria ser pintado nas portas dos palácios dos grandes homens, gravado nos anéis dos cardeais e dos arcebispos, e esculpido nos cetros dos reis. Para ir mais longe, deveria ser visto em monumentos por todo lado, publicado no estrangeiro e multiplicado de modo a que cada um o conheça e o veja com os seus olhos de mortal, e não haverá quem não o tenha como de maior utilidade – especialmente príncipes, aqueles a quem, para citar Homero, ‘o povo é confiado, e o cuidado de muito’”.

Festina Lente é do que Portugal precisa em quantidade. Bons e muitos leaders empresariais, políticos, científicos, servidores públicos que sejam capazes, que tenham o conhecimento, poder e meios para fazer depressa sem pressas, ou seja, depressa e bem, com planeamento e execução rápidos, pontuais, disciplinados e rigorosos.