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Adelino Sousa: “Portugal precisa de um plano tecnológico de longo prazo”

Os países que não investirem em educação e tecnologia ficarão definitivamente para trás na corrida do desenvolvimento, diz ao JE o Director Executivo da Virtual Educa, considerada a Web Summit da educação. Como português, Adelino Sousa gostaria de ver o país transformar-se em farol do sector.
4 Julho 2021, 15h00

Adelino Sousa lidera a Virtual Educa, uma espécie de Web Summit da educação, organização que tem como sócios estratégicos empresas como a Microsoft, HP, Intel, Qualcomm e a portuguesa JP-Inspiring Knowledge. Em julho de 2020 trouxe a Portugal o maior encontro virtual internacional sobre inovação em educação para a transformação social – Virtual Educa Connect. Num português intacto, mas mais musical, e com a ajuda da tecnologia, falou com o Jornal Económico a partir da sua atual base no México – já viveu no Panamá, na Colômbia e em Porto Rico. Disse-nos que estamos perante o nascimento de novas formas de ensino, nas quais o professor continuará a ser fundamental para humanizar a tecnologia, esse admirável mundo novo que vai, na sua perspetiva, aproximar os homens e esbater as desigualdades entre os países. Para isso é, no entanto, necessário investir em educação e ter visão e estratégia. Portugal precisa de um plano tecnológico de longo prazo, defende ele, que em 2008 viu nascer o Plano Tecnológico da Educação, que visava colocar o país na linha da frente da modernização tecnológica a nível de ensino. Na altura trabalhava na JP-Inspiring Knowledge (jp.ik, unidade de negócio da educação da JP Sá Couto), que lançou o computador Magalhães, o primeiro projeto de tecnologia para educação de grande escala no país. Como português, deseja que a sua pátria possa vir a ser um farol no sector.

 

A tecnologia e a educação são aliadas ou concorrentes?
Não há escola do futuro sem tecnologia. A pandemia da Covid-19 veio mostrar que não há como fugir: a tecnologia vai ser transversal a todos os sectores da sociedade e tem de estar integrada nas novas formas de ensino, pois é disso que se trata efectivamente: novas formas de ensino que usam ferramentas tecnológicas. Os professores terão de adaptar-se e devem ser acompanhados e apoiados num conjunto de medidas que os governos têm de implementar para que a tecnologia seja acessível a todos, para que haja conectividade para todos. No fundo, trata-se de adequar a escola aos desafios da evolução tecnológica.

 

Fundamentalmente, o que vai mudar?
É uma questão de infraestrutura. A infraestrutura normalmente é sempre a base de qualquer alteração na sociedade e na economia. No caso concreto de Portugal, o Governo vai ter de investir na infraestrutura e à medida que for aumentando a complexidade do processo de ensino-aprendizagem será necessário ir introduzindo novos conteúdos digitais. No futuro vai haver uma integração entre o digital e o físico. Este não é um processo binário em que num cenário de pandemia vai tudo para casa e numa situação em que esta desacelera voltam todos para a escola, não. O presencial e o digital vão conviver num sistema híbrido, pelo menos, naqueles países que querem assumir a liderança na educação. A pandemia veio levantar a questão do acesso à internet como um direito universal, muito se falou sobre o assunto, mas pouco tem sido feito nesse sentido.

 

Que possibilidades oferece a tecnologia para transformar a aprendizagem no contexto da IV Revolução Industrial?
O 5 G vai acelerar enormemente a passagem do industrial para o digital e isso far-se-á sentir em todos os sectores da sociedade. Metade dos empregos que vão ser criados no futuro são na economia laranja e na economia azul, nas chamadas economia do conhecimento e economia dos oceanos… As mudanças estão a acelerar e a educação não pode ficar para trás. Se vivemos num mundo digital, a educação não pode ficar no mundo presencial – o presencial existe mas deve ser integrado. Os tempos de hoje colocam-nos estes desafios, mas estes desafios são os que valem a pena, são aqueles que conduzem o mundo para melhor.

 

Estão as escolas que existem preparadas para a geração de nativos digitais?
Obviamente que não. Durante anos não se prepararam e não é num contexto de pandemia que se preparam para receber os nativos digitais. Eu acho que vai tardar, mas, como disse antes, não há como voltar atrás. O que fazer? Em qualquer país, o início do processo é a colocação da infraestrutura, dos equipamentos de hardware e da conectividade que permite que estudantes e professores tenham acesso às ferramentas. Depois o que é preciso é mudar a pedagogia, incorporá-la num contexto híbrido de aprendizagem. Estamos mesmo no início deste processo, digamos que estamos na pré-história daquilo que vai ser a educação no futuro. Os governos têm de estar atentos e criar as condições para que se possa fazer a revolução sem deixar ninguém para trás.

 

A tecnologia vai aproximar os países ou aumentar as desigualdades entre eles?
É uma questão muito importante. Claramente, dir-lhe-ei que há países que vão fazer as suas reformas internas e numa economia global como aquela em que vivemos, quem não o fizer ficará de fora. Para atingirem a digitalização, os países têm de ter um plano, isto não é uma corrida de 100 metros, é uma maratona… Dou-lhe um exemplo: o Uruguai. Tem um dos planos melhor sucedidos do mundo. Investe continuamente em tecnologia e educação desde 2006, pelo que à chegada desta pandemia estava melhor preparado do que qualquer outro país para enfrentar o embate… Em conversa, o responsável pelo plano dizia-me recentemente ‘cometemos muitos erros, mas estamos incomparavelmente muitos melhor do que quando começamos’. É pôr os olhos no Uruguai.

 

E Portugal? Como vê o país nesta corrida?
O Governo deve ter uma visão, definir um caminho, adoptar um posicionamento estratégico e actuar numa perspetiva de longo prazo. Esse caminho é, na minha opinião, um plano tecnológico para os próximos 20 anos. Lembro que na primeira década deste século, Portugal teve um Plano Tecnológico bem sucedido. Trata-se de dar continuidade a essa visão.

 

Há um gap entre o número de alunos que entra no ensino superior e os que realmente o concluem. De igual forma, temos jovens licenciados desempregados e empresas a dizerem que precisam de mão de obra qualificada. A tecnologia pode ajudar a resolver estes problemas, estas divergências?
Objetivamente, sim. No Virtual Educa temos uma iniciativa chamada Universidade 20-30, que vamos apresentar em setembro no México e que está centrada na questão de como é que o ensino superior vai conseguir ajudar a gerar emprego e formar uma força de trabalho para o emprego. Os países têm de conseguir dar esse salto, de outra forma vivemos numa ilusão. O sonho do estudante de que tem um futuro quando terminar a universidade tem sido quebrado nos últimos anos com muito desemprego jovem… o ensino superior com a ajuda da tecnologia tem que aproximar os jovens do mercado de trabalho, até porque a própria noção de trabalho tem que mudar, aliás, já, está a mudar, na medida em que o trabalho para uma vida já não existe. A pandemia veio abrir novas oportunidades na forma como o indivíduo se relaciona com o trabalho. Neste cenário de incrível mudança, diria que a pergunta mais relevante é: como é que o ensino superior se torna relevante neste contexto? Tem que se redefinir para enfrentar os novos desafios dos próximos anos.

 

A tecnologia ajuda a humanizar a educação? Isso é possível?
É uma questão complexa. A tecnologia está ainda no início, não me refiro à infraestrutura pois essa existe, está aí, mas nos próximos anos vamos assistir ao surgimento de muitos novos produtos, de muitas soluções inovadoras e realmente digitais. Eu acredito que neste contexto de evolução, vamos humanizar ainda mais a educação. A tecnologia poderá permitir currículos personalizados, com desenvolvimento de skills personalizadas, e inclusive a conexão com as empresas poderá vir a permitir que seja automática a criação de empregos mediante o perfil dos alunos, mas… o professor será crucial. Os professores não vão deixar de existir, vão ter um papel mais de liderança, de coach, um trabalho mais de conhecimento e de aproximação de humanização. Eles é que vão tornar a tecnologia mais humana.

 

O que é o Virtual Educa e o que faz?
O Virtual Educa está virado sobretudo para a América Latina onde realizamos muitos dos nossos eventos. Trabalhamos para promover a inovação na educação, mas também a inclusão de uma forma sustentada. Falamos com muitos especialistas em educação e tecnologia, falamos com muitas empresas e muitos governos. Resumidamente, posso dizer-lhe que muitos governos estão preocupados, até um pouco perdidos, diria, porque esta transformação acelerada pela pandemia veio colocar novos desafios para os quais nem sequer havia equipas preparadas dentro dos próprios ministérios, que aos poucos se têm vindo a ajustar à realidade. Mas a principal conclusão é de que estão abertos a que se façam coisas novas, abertos à inovação. Muitas pessoas com quem tenho falado apontam a educação como a próxima prioridade dos governos depois da campanha de vacinação. O Virtual Educa criou um evento a pensar nisto, que arranca a 21 julho e tem a duração de três dias. Chama-se Virtual Educa Impact e envolve a indústria privada para que apresente soluções.

 

Que avaliação faz do sector das tecnologias da educação “made in Portugal”?
Antes de me radicar na América Latina trabalhei durante muitos anos neste sector em Portugal, acompanhei muitos projectos na JP-Inspiring Knowledge (jp.ik), que começou com o computador Magalhães, se internacionalizou e continua a ser um exemplo para o país. A jp.ik está ao lado de organizações como a Intel e a Microsoft na Virtual Educa, que junta apenas empresas com objetivos globais e grande presença na América Latina. Além da jp.ik, neste momento há poucas empresas portuguesas a operar no mundo na área da educação e da tecnologia. No entanto, considero que Portugal tem uma indústria ativa com bastante potencial que se pode internacionalizar. Espero que as empresas tenham essa capacidade porque são necessários bons projectos para criar impacto noutros países e, como português, gostaria que o país se afirmasse como um farol neste sector de futuro.

O ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues decidiu que a participação dos professores na edição de 2020 do Virtual Educa contasse como horas de formação dos docentes do ensino básico e secundário. O exemplo é seguido por outros países?
Sim, sempre que realizamos um grande evento os governos contam-no como horas de formação para os seus docentes. É um processo natural. Ficámos muito felizes que o ministro da Educação português, Tiago Brandão Rodrigues também o tivesse adotado. Foi uma pena que a pandemia não nos tivesse deixado fazer o Virtual Educa Connect em Portugal de forma presencial. Esta é o maior encontro virtual internacional sobre inovação em educação para a transformação social. Também o Congresso Mundial Virtual Educa, agendado para o mês de novembro de 2020, em Lisboa, foi online, pelas mesmas razões. Não obstante, chegámos a mais de 100 mil pessoas em cada um dos eventos, o que foi muitíssimo importante quer para nós quer para Portugal.

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