A palavra poupança – por vezes tão associada a atitudes cautelares e moralistas – assume um significado deveras relevante em termos macroeconómicos. Porque pura e simplesmente no circuito “real” de uma economia aberta, o total da poupança num determinado período equivale teoricamente à capacidade de Investimento que uma economia evidencia. E o investimento é um motor do desenvolvimento económico.
Passo a explicar, grosso modo, num circuito duma economia real deparamos com quatro grandes agregados/agentes económicos: as famílias, as empresas, o Estado e o exterior (assumindo-se uma economia aberta, como as normais circunstâncias o exigem).
Em Portugal, e no caso das famílias, o contexto não é nada favorável à obtenção de níveis de poupança já que o rendimento médio respectivo é demasiado baixo, em muitos casos incompatíveis com padrões de vida decentes.
Para haver poupança global neste segmento tal implicaria desde já um aumento de rendimentos, designadamente em salários. E o necessário aumento do rendimento das famílias pressupõe capacidade por parte dos agentes que o atribuem, seja pela via do aumento da produtividade e lucratividade das empresas, seja pela via da massa salarial da função pública, seja indirectamente pela via duma redução da carga fiscal quando possível.
E, acrescente-se, a adequação de instrumentos de captação de poupança para os agregados que revelem condições para tal. Logicamente que o facto de não haver poupança global das famílias implica o aumento do seu endividamento. Sendo certo que os apoios pontuais que o Estado dá, designadamente aos mais carenciados, em tempos de crise social servem apenas para mitigar a forte erosão do poder de compra respectivo.
Já quanto ao agregado empresas, vimos que elas devem ter capacidade para distribuir melhores rendimentos pelos seus trabalhadores e tal só será sustentável se conseguirem níveis crescentes de lucratividade, produtividade e de riqueza criada em termos de valor acrescentado. Para tal, terá de haver um contexto desejavelmente favorável da carga fiscal, entre outros custos do contexto (destaque para a energia e para a burocracia em geral), que possa ser considerado como estimulante para a realidade empresarial.
A falta de escala que caracteriza o nosso tecido empresarial continua a ser um óbice à obtenção de níveis de poupança desejáveis neste segmento das empresas, donde a importância de um produtivo investimento estrangeiro a par de uma adequada capitalização de uma boa parte das unidades empresariais existentes.
Quanto ao agente Estado existe no seio da União Europeia (UE) – salvo o período excepcional que tem ainda a ver com a pandemia – a ratificação de uma espécie de travão ao despesismo que gera inevitavelmente divida pública.
É certo que o Estado tem sido directamente beneficiado – e neste momento relevam os fundos europeus do PRR, por exemplo – com a afectação ao investimento e a projectos concretos de reestruturação da economia de volumosos recursos no âmbito da UE, alguns dois quais a fundo perdido, que inequivocamente potenciarão os níveis de investimento na economia, seja no sector público ou privado.
Mas tal não dispensa que de uma forma duradoura o Estado assegure adequados e regulares excedentes orçamentais correntes que actuam como folgas para despesas inadiáveis, e sustentação do investimento público. Em suma, se houver défice do Estado aumenta a divida pública e a possibilidade de turbulência nos mercados financeiros com que o país interage inevitavelmente.
Finalmente, o agente exterior. Haverá poupança neste domínio, em sentido estrito, se as importações que a nossa economia fizer forem superiores às exportações que conseguiu canalizar (indicador global desfavorável da competitividade), o que quer dizer de uma forma simplista que foram países terceiros que nos forneceram a poupança, pois enviaram para a nossa economia bens e serviços que na sua “casa” eram já excedentários.
Sabemos, contudo, como outra face da mesma moeda, que um crónico desequilibro acentuado da balança externa significa um crescente endividamento externo que terá de ser um dia liquidado, muitas vezes em prazos curtos e com condições de mercado adversas
Em suma, uma gestão macroeconómica racional identifica-se com a obtenção de níveis de poupança sustentados que viabilizem os necessários níveis de investimento. Aumento do rendimento das famílias/salários, aumento da rentabilidade/competitividade das empresas e “contas certas” a nível do Estado são, pois, peças-chave para um equilibrado desenvolvimento económico.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.