Um artigo de opinião de julho de 2017 chamava a atenção para o problema de sub-investimento na Zona Euro, o qual resultava, em grande parte, da diminuição do investimento público. Passados dois anos, o problema mantém-se. Segundo a Comissão Europeia, e de acordo com o relatório publicado em maio de 2019, o peso do investimento público no PIB na Zona Euro foi, em 2018, de 2,7 por cento, estimando-se que aumente ligeiramente para 2,8 por cento em 2019 e 2020 – sendo inferior à média verificada no período de pré-crise (3,2 por cento entre 2000 e 2007). Portugal terá, em 2019, juntamente com Itália e Espanha, o nível de investimento público mais fraco da Europa, em cerca de 2,1 por cento do PIB. Em 2020, esta percentagem será inferior em 1,5 pontos percentuais (pp) face à média do período pré-crise em Portugal.

 

Tendo tal declínio implicações sérias na competitividade e no potencial de crescimento a médio e longo prazo de Portugal – o crescimento real do PIB em Portugal reduziu de 2,8 por cento em 2017 para 2,1 por cento em 2018, projetando, a Comissão Europeia, um crescimento de 1,7 por cento em 2019 e 2020, onde o contributo estimado do investimento público para a variação real do PIB será de 0,5pp –, o restabelecimento do investimento público para níveis de pré-crise torna-se fundamental para suportar incrementos de produtividade. Assim, em países do sul da Europa, com elevados rácios de dívida pública face ao PIB (Portugal fechou o ano de 2018 com um rácio de 121,5 por cento), mecanismos que promovam o investimento público sem aumentar a dívida pública, desempenharão um papel fundamental.

 

É neste contexto que surgem as operações de project finance, mais precisamente as parcerias público-privadas (PPPs), como um mecanismo privilegiado para tal fim. Não é por acaso que entidades como a CE e o Banco Europeu de Investimento (BEI) apontam o financiamento de investimento público – através de PPPs – como uma forma de financiar o crescimento produtivo dos países, sem sobrecarregar a divida pública. Isto é, permitem a realização de investimento público que de outra forma não seria realizado por constrangimentos orçamentais. Um estudo recente do BEI demonstra que os países da Europa Ocidental que mais utilizaram este tipo de operações, em volume e no período de 2000 a 2016, não foram apenas países do Sul Europa, como Espanha, Itália ou Portugal….mas também, países como Reino Unido, França, Alemanha e Suécia.

 

Mas em que se consubstancia, afinal, um project finance na modalidade de PPP? Uma operação de project finance é uma modalidade de financiamento pela qual o capital investido é garantido “apenas” pelos cash flows gerados pelo próprio projeto de investimento. Envolve, normalmente, a criação de uma empresa autónoma financiada, tipicamente, por dívida sem recurso aos seus promotores, com o objetivo de investimento em ativos com maturidades longas, em setores capital intensivos. Quando, por variadas razões –  por exemplo, restrições orçamentais ou ganhos de eficiência – o Estado solicita a produção de bens públicos através da outorga de uma concessão a uma entidade privada que procederá, tipicamente, à construção, manutenção e exploração de uma dada infraestrutura, estamos na presença de uma PPP. Neste caso, e porque o serviço em causa é público e com preços regulados (inferiores aos que seriam praticados em projetos privados), o parceiro privado exigirá o recebimento de subsídios que lhe permita obter um retorno semelhante ao risco em que incorre. Assim, numa PPP são utilizados capitais privados para a construção e exploração de projetos de investimento, tais como infraestruturas ferroviárias, portuárias, aeroportuárias e rodoviárias, centrais hidro e termoelétricas, barragens, hospitais, sistemas de águas e resíduos e escolas, que são, tipicamente, financiados por fundos públicos. Através de PPPs, os governos transferem um conjunto de riscos para o setor privado, o qual é, muitas vezes, mais eficiente na sua gestão.

 

Contudo, estas operações não têm apenas vantagens. Podem, também e quando não são devidamente utilizadas, provocar efeitos perversos, não criando valor para a sociedade. Tal acontece, especialmente, porque são operações complexas e com reduzida flexibilidade, na medida em que se baseiam numa teia contratual extensa e que, numa situação de tentativa de alteração de condições por parte do setor público, originam reequilíbrios económico-financeiros com impactos negativos para os contribuintes.

 

Em Portugal, são múltiplos os exemplos como casos de sucesso – PPPs do setor da saúde – e, outros, como exemplos do que não se deve fazer, tais como algumas PPPs rodoviárias. Assim, poder-se-á colocar a seguinte questão: em que circunstâncias se deve implementar uma PPP? De forma resumida, podem-se apresentar os requisitos que se seguem:

 

1.    Primeiramente, é necessário apurar o custo público comparável. Tal significa que nenhum projeto deve ser implementado via PPP se tal custar mais ao Estado do que custaria se fosse realizado diretamente por ele. Aqui resulta, claro, que cada caso é um caso e que cada caso deve ser objeto de avaliação individual;

2.    Será necessário que tal projeto crie valor económico; ou seja, que o valor financeiro adicionado das externalidades positivas geradas para a sociedade, seja positivo;

3.    É necessário que os subsídios pagos ao parceiro privado não sejam, em momento algum, superiores às externalidades referidas;

4.    As externalidades positivas geradas deverão ser apuradas com base em critérios técnicos rigorosos, o que significa que apenas o “bom investimento público” deverá ser realizado;

5.    Os riscos do projeto de investimento devem ser identificados e alocados às partes que melhor os sabem gerir e o modelo contratual seguido “deve implicar uma significativa e efetiva transferência do risco para o concessionário privado”. Aqui importa referir que são três os riscos principais de uma qualquer concessão: riscos de construção, de procura e de disponibilidade;

6.    Para que a dívida da empresa privada criada não seja dívida pública, segundo o Eurostat, o privado terá que, dos três riscos anteriormente referidos, reter, a 100 por cento, o de construção e um dos demais, risco de procura ou de disponibilidade.

7.    Por último, os modelos de avaliação financeira utilizados devem ser ajustados. O modelo do free cash flow, pelo elevado grau de alavancagem financeira que caracteriza estas estruturas de financiamento, não mensura corretamente os benefícios fiscais obtidos pelo parceiro privado. Assim, modelos de capital cash flows devem ser utilizados.

 

A discussão deverá colocar-se, então, não no plano político, mas antes no plano técnico, com a identificação e reconhecimento dos erros cometidos no passado – como ao nível da transferência de riscos, de modificação unilateral de contratos, da não determinação do comparador público e da sobrestimação das externalidades positivas geradas –, evitando-os a todo o custo e, simultaneamente, utilizando os bons exemplos como referência. Em suma, mais do que uma questão de sim ou não, a utilização destes mecanismos será uma questão de necessidade para países da Zona Euro com níveis de dívida pública, em percentagem do PIB, muito elevados e com necessidade de aumentar o investimento público para não comprometerem a sua competitividade e o seu potencial de crescimento a médio e longo prazo.