Por vezes é com palavras quase iguais que conseguimos exprimir as maiores oposições. Estou a pensar nas palavras “igualitarismo” e “igualismo”. Distingui-las é hoje uma necessidade cívica.

A primeira não é nova e exprime uma condição imprescindível para a generalização da dignidade numa sociedade. Promove a igualdade de direitos, mas também de oportunidades efectivas, pois a lei ser igual para todos não chega para assegurar que cada um poderá realizar o seu projecto de vida e singularizar-se tanto quanto qualquer outro. Persegue a igualdade como um meio, para que se garanta a cada novo cidadão, e à sua nascença, um direito igual, mesmo que aproximadamente igual, à liberdade de ser como bem entende.

A segunda palavra é o “igualismo”, neologismo tão facilmente inteligível que, se constasse dos nossos dicionários, ajudaria a evitar os equívocos indesejáveis que me levam a escrever sobre o tema. É que, ao contrário da igualdade como ponto de partida que é promovida pelo igualitarismo, o igualismo promove a igualdade como um fim, numa aversão às diferenças, que combate por todos os meios ao seu alcance. Onde as políticas igualitárias procuram alargar horizontes de possibilidades, o igualismo tenta comprimir e mesmo eliminar as diferenças na sociedade. Igualitarismo e igualismo não poderiam estar mais nos antípodas um do outro.

Sou tão empenhado opositor do igualismo como defensor do igualitarismo. Porque o que este faz pela liberdade aquele faz pela opressão. Um igualista quer tudo igual e certamente igual ao que ele entende ser bom. Dirá que isso é lutar pela liberdade, mas é apenas lutar pela sua própria visão de liberdade. E lutar apenas pela sua visão não é verdadeiramente lutar pela liberdade. Aquilo que prescreve é à custa do que proscreve, tutelando, paternalizando, terraplanando.

O programa do igualismo é profundamente iliberal. E é a coluna vertebral do neoliberalismo que passou para o lado de cá do milénio. Na sua obsessão de levar uma mesma ordem económica, mas também de consumo, de gostos e preferências a todas as partes habitadas do planeta. E ainda na austeritária apologia de uma igual precariedade para todos, sem zonas de conforto, sem direitos adquiridos, todos confinados à sua igual individualidade. Todos assim iguais, não importa se vulneráveis ou invulneráveis, se pobres ou ricos – isso há-de ser culpa sua, das suas escolhas, ou das dos seus pais, que lhes deixaram, ou não, herança.

Esta iliberalidade intrusiva do igualismo é uma tendência global que contamina muitos registos, revelando familiaridades de que não se suspeitaria à partida entre agendas distintas. Um exemplo é o do crescente anti-islamismo, que também se serve do igualismo para proscrever, ao igualar as expressões de diferença a expressões de radicalização.

O grande Tony Judt, a pensar no século XX, explicava que “O pecado intelectual do século foi o de fazermos juízos de valor sobre o destino dos outros, em nome do futuro desses outros como nós o vemos, um futuro no qual não temos de investir, mas sobre o qual reivindicamos conhecimento perfeito e exclusivo.” (Judt, Tony and Timothy Snyder, Thinking the Twentieth Century, London: Vintage, 2013.)

O século mudou, mas o pecado intelectual continua a ser o mesmo. Nem os totalitarismos serviram de lição.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.