Os dois últimos anos de governação socialista, suportada pelos partidos de esquerda, demonstraram claramente que o rumo traçado pela política neoliberal nos anos anteriores representou um erro colossal que causou impactos muito negativos no tecido da nossa sociedade e economia.

Este período ainda curto de recuperação do rendimento e de reposição de alguns direitos sociais, não sarou todas as feridas mais profundas e como tal é imprescindível que se progrida na senda iniciada no final de 2015. Contudo, para além de se progredir no trilho, o atual Governo deverá estar alerta em relação a dinâmicas regressivas que, nomeadamente, se vão incrustando no mercado de trabalho ou na prestação de serviços supostamente públicos e de cariz universal.

A este respeito na última semana tivemos conhecimento de que os CTT, privatizados pelo anterior governo, se preparam para encerrar cerca de 22 balcões, alguns dos quais em zonas densamente povoadas. As fortes reações, quase imediatas, dos presidentes de câmara, assim como dos residentes e utentes, revelam não só a tremenda desfaçatez desta intensão, face às reais necessidades das comunidades afetadas, como são elucidativas sobre a lógica mercantil que se apoderou de uma empresa que deveria pôr o bem e o serviço público acima do interesse económico dos seus acionistas.

Este caso é sintomático de como o neoliberalismo ainda está bem impregnado em certas instituições e organizações e nas respetivas condutas das suas classes dirigentes. É, pois, mais do que legítimo equacionar a reversão desta privatização lamentável que em nada irá contribuir para o aumento do bem-estar das populações locais e do decente acesso a serviços considerados básicos. Aliás, este exemplo demonstra, pela enésima vez, que é uma ficção considerar que empresas privadas podem tomar conta de serviços públicos (ainda por cima em regime de monopólio) e esperar que estes continuem a ser prestados para todos de forma equitativa.

Um outro dado, que foi confirmado na semana anterior pelo boletim nº18 do Barómetro das Crises, identifica uma crescente precarização do trabalho expressa na percentagem minoritária de novos contratos sem termo que foram assinados recentemente: “o peso dos contratos permanentes nos contratos assinados desde 2013 continua a ser diminuto (cerca 34% dos novos contratos vigentes em outubro de 2017)”. Esta percentagem significa que muito do emprego que está a ser criado assenta em situações contratuais atípicas e instáveis. Por seu lado, segundo o estudo “o predomínio da precariedade nos novos contratos é acompanhado da tendência para uma degradação da remuneração média dos novos contratos permanentes, ao mesmo tempo que se verifica uma subida da remuneração média dos contratos não permanentes, tudo apontando para um ponto de convergência, em que o SMN se apresenta como a remuneração de referência”.

A crescente precarização laboral que se assiste no setor dos serviços, particularmente na atividade da ‘restauração e alojamento’, levanta sérias questões sobre o tipo de consolidação económica que está a ocorrer em Portugal.

Privatização e precarização laboral não são processos autónomos, pelo contrário, estes são interdependentes e encontram-se diretamente relacionados. Ambos representam pilares fundamentais do neoliberalismo e são fatores produtores e reprodutores de formas de mercantilização das relações sociais e económicas, tanto por via da desproteção dos indivíduos e das comunidades, como da desvalorização do trabalho.

A inversão da austeridade não significa, só por si, a remoção estrutural e completa das fundações sobre as quais assentou a política neoliberal. Mas representa, sem dúvida, um caminho que deve continuar a ser aprofundado. No entanto, para se desincrustar o neoliberalismo da nossa vida coletiva torna-se necessário ir mais longe. É preciso desmantelar os seus fundamentos económicos e sociais, ou seja, reverter algumas das políticas de privatização e de liberalização que vêm do passado e enfrentar decisivamente as dinâmicas de precariedade que se generalizam e se normalizam no presente. Estas não podem continuar a ser vistas como inevitáveis e fazendo parte da vida de todos os dias.

É isso que se deve exigir à social-democracia enquanto modelo político verdadeiramente alternativo: precarizar ao máximo as estruturas e as condições de reprodução do neoliberalismo.