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Pedro Ferreira: “Precisamos de formar mais profissionais de saúde”

A tragédia vivida nos hospitais nacionais confirma o que a OCDE diz há mais de 10 anos: temos falta de profissionais na saúde, diz Pedro Ferreira.
28 Fevereiro 2021, 17h00

A 3 de fevereiro, depois de um avião militar alemão ter aterrado no aeroporto de Figo Maduro, contíguo à infraestrutura da Portela, deixando em Lisboa uma equipa de 26 profissionais de saúde alemães – entre os quais, seis médicos, todos com uma missão de três semanas, durante as quais darão apoio ao sistema de saúde português no combate à Covid-19, trabalhando para o efeito no Hospital da Luz –, o Jornal Económico (JE) falou com Pedro Ferreira, diretor do Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra (CEISUC), professor catedrático da faculdade de Economia da Universidade de Coimbra no sentido de avaliar se esta é a melhor solução para o problema do esgotamento dos profissionais portugueses de saúde. “O apoio vindo de qualquer país é bom, porque em situações de catástrofe ‘toda a migalha é pão’, por isso devemos estar gratos pela ajuda da Alemanha, mas sabemos que esta situação dramática nos obriga a refletir na urgente necessidade de aumentarmos o número de profissionais que trabalham na saúde em Portugal, médicos, enfermeiros e auxiliares, alterando desde logo os números clausus existentes nas faculdades de Medicina e em todas as escolas que asseguram a formação de profissionais da saúde”.

O avião militar alemão tinha partido na quarta-feira da Base Aérea de Wunstorf, operada pela Lufttransportgeschwader 62 que voa com os cargueiros militares alemães Airbus A400M Atlas, contando, na cerimónia realizada antes da descolagem, com as presenças do embaixador português Henrique Nelson Portela Guedes e do oficial médico alemão Ulrich Baumgaertner. Assim foi iniciado o plano alemão de ajuda a Portugal – solicitado a 25 de janeiro –, no âmbito do qual a ministra da Defesa alemã, Annegret Kramp-Karrenbauer, disponibilizou 40 ventiladores móveis, 10 ventiladores estacionários, 150 bombas de infusão, camas hospitalares e equipas profissionais alemãs que serão rendidas a cada 21 dias, até ao final de março. Na altura o oficial médico Ulrich Baumgaertner referiu que o quadro de funcionários dos hospitais e, “principalmente, das unidades de cuidados intensivos atingiu o limite em Portugal”. “Queremos apoiá-los com a nossa equipa, mas também com material clínico para, pelo menos, aliviar a situação”, explicou em declarações à agência Lusa.

No mesmo dia, a ministra da Saúde, Marta Temido, em comunicado divulgado aos jornais, anunciou que o coordenador da task force para a elaboração do “Plano de Vacinação contra a Covid-19 em Portugal” deixa o cargo devido às “irregularidades detetadas pelo próprio no processo de seleção de profissionais de saúde no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, do qual é presidente da comissão executiva”.

Neste enquadramento, o diretor do CEISUC reconhece que “a situação de catástrofe tomou conta do sistema de Saúde em Portugal – todo o sector da saúde foi confrontado com o limite de capacidade de resposta das unidades hospitalares, que se arriscaram a colapsar pelo esgotamento das infraestruturas e pela impossibilidade dos recursos humanos – auxiliares, enfermeiros e médicos –, serem capazes de enfrentar, semana após semana, o aumento da pressão diária dos casos de Covid-19”. Pedro Ferreira já tinha alertado previamente que em janeiro seria ultrapassado o número de 220 mortos diários por Covid-19. Na realidade a 28 e 31 de janeiro foram ultrapassados os 300 mortos diários. O diretor do CEISUC também foi um dos especialistas em saúde que cedo defenderam o encerramento das aulas nas escolas e liceus e o aumento das restrições no âmbito do confinamento, apelando a que “Portugal use o travão de mão forte para controlar os contágios e achatar a curva do número de contágios”. “Estamos a ser muito brandos com os confinamentos: os franceses têm o recolher obrigatório das 18h00 até às 8h00 da manhã. É muito mais violento para a economia e para todos”, comentou Pedro Ferreira no início de janeiro. A evolução da pandemia deu razão ao diretor do CEISUC, porque o Governo acabou por suspender as aulas e por impor maiores restrições ao confinamento.

Apesar do contraste com recentes declarações otimistas do ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, os dados sobre a queda de 7,6% do PIB em 2020 não surpreenderam o diretor do CEISUC, considerando que Portugal está em linha com as trajetórias de queda do PIB confirmadas em outros países da União Europeia. Quanto às declarações de Siza Vieira, o economista da Universidade de Coimbra diz que “é política. Tem de criar ânimo e esperança nas pessoas. É o papel deles”.

Sobre a pandemia em Portugal, Pedro Ferreira nota “uma rápida capacidade de adaptação das unidades hospitalares e uma elasticidade muito grande do serviço público de saúde. O hospital de Évora duplicou o número de camas e estão a criar unidades em Lisboa e no Porto – principalmente em Lisboa onde a situação é mais complicada – que adequam a oferta à procura existente. Mas sempre foi assim, já não é de agora”, diz.

“Lisboa sempre teve um grande défice de oferta hospitalar. Lisboa é onde há mais utentes do SNS sem médico de família, sobretudo nas zonas mais centrais de Lisboa. O hospital Amadora-Sintra, que era privado quando foi construído e abriu as portas, estava dimensionado para metade da população. Há uma crónica falta de cuidado em termos de planeamento. Agora em que Lisboa, Vale do Tejo e o Norte estão a ‘competir’ pelo primeiro lugar na infeção do Covid-19, assiste-se a uma transferência de doentes de Lisboa para o Porto, porque há uma rede planeada entre as unidades de saúde que estão a funcionar melhor numas regiões do que noutras”, considera o diretor do CEISUC.

“Temos assistido a uma adaptação constante das unidades que dizem estar no limite, ou que só têm uma cama livre. O sistema funciona transferindo doentes de uns hospitais para outros hospitais, ou então mesmo aumentando a capacidade dos hospitais. Mas isto não pode ser eterno, até porque os profissionais são os mesmos. Isto tem de ser acompanhado urgentemente por mais contratações”, aconselha Pedro Ferreira.

“Este é um problema crónico de Portugal. Os relatórios da OCDE do ano passado, ou de há cinco ou dez anos dizem o mesmo, identificando um défice de enfermeiros. Temos um défice de profissionais de saúde, de recursos humanos, a nível especializado e isso precisa de ser mudado daqui para a frente”, remata o diretor do CEISUC.

Artigo publicado num especial do Jornal Económico de 05-02-2021

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