Vivemos tempos de acelerada revolução tecnológica. Os dispositivos de inteligência artificial irão transformar por completo a forma de compor textos, pesquisar ideias e combinar fontes de conhecimento. Estas grandes mudanças são também oportunidades para reformarmos mais aprofundadamente o que leva um atraso de décadas.

Em Portugal, nos tribunais convivemos com dois mundos. Por um lado, temos já desde 2008 uma aplicação informática que permite entregar peças processuais e fazer consultas aos processos, o que foi um avanço assinalável. Por outro lado, essa aplicação é estática e não automatiza operações para o tribunal, a secretaria ou os advogados. Com efeito, e dou somente alguns exemplos, a aplicação Citius não conta prazos, não faz notificações, não seleciona matérias de facto e de direito e não elabora minutas de despachos e sentenças (o que passará a poder feito com inteligência artificial).

Poderiam ser minudências, mas não são. A lentidão da nossa justiça é notória: dos 27 Estados-membros da União Europeia (UE), Portugal fica em 22.º lugar no que diz respeito à duração dos processos nos tribunais de 1.ª instância, com mais de dois anos para obter uma decisão (Painel de Avaliação da Justiça na UE de 2023). Necessitamos de utilizar a tecnologia mais recente para que cidadãos e empresas tenham justiça em tempo útil.

Sendo este o estado das coisas, qualquer melhoria no Citius será sempre de elogiar. Ainda há pouco tempo foi anunciado que as gravações áudio dos depoimentos das testemunhas ficarão disponíveis no Citius. Estas gravações são imprescindíveis quando se recorre de uma sentença Acaba-se assim com as anacrónicas deslocações dos advogados aos tribunais levando antiquados CDs para pedir à secretaria estas gravações.

Porém, estamos em 2023. O que já seria exigível e se discute há décadas é a realização de gravações audiovisuais, para que os juízes do tribunal de recurso possam fazer uma verdadeira apreciação da prova testemunhal e possam observar as expressões das testemunhas. Além disso, o Citius poderia fazer a transcrição escrita dos depoimentos para que pudessem ser analisados rapidamente por juízes e advogados.

Há 15 anos que o Citius permanece sem grandes alterações. E quando surgem melhorias como esta chegam algo atrasadas e sem capacidade para resolver o verdadeiro problema: a excessiva demora dos processos. O plano estratégico do Ministério da Justiça apresentado no mês passado padece deste mal. Foram anunciadas várias medidas que reforçam o ambiente digital nos tribunais. Mas conseguirão fazer andar os processos a uma velocidade aceitável? Não parece.

Sem uma visão verdadeiramente revolucionária e de médio prazo, estaremos condenados a estar na cauda dos países europeus que demoram a resolver litígios, caindo talvez ainda mais do 22.º lugar no mencionado indicador do Painel de Avaliação da Justiça na UE de 2023.