Bertha Benz merece um pouco mais de reconhecimento. Se Karl Benz, seu marido e o engenheiro a quem foi atribuída uma das primeiras patentes do carro a motor, simboliza o génio e visão necessárias para criar o carro a motor, a sua esposa simboliza o empreendedorismo e a coragem que também são precisos para levar grandes mudanças a cabo.

Por muito notável que fosse o carro a motor de combustão interna inventado por Karl Benz, o engenheiro não estava a ser capaz de convencer o público em geral que o futuro da mobilidade passava por viajar praticamente sentados em cima de um motor que funcionava à base de repetidas explosões controladas (o motor de combustão interna). Provavelmente era a palavra “controladas” que gerava mais receio ao comum dos mortais.

O público manteve-se largamente céptico até ao dia em que Bertha pegou nos seus dois filhos de 13 e 15 anos, ligou um dos tais carros que funcionavam à base de explosões, e sem a autorização das autoridades viajou mais de 100 quilómetros para visitar a sua mãe. Esta viagem foi a melhor jogada de marketing que o casal podia ter feito. Estavam em 1888 e o carro tornou-se um sucesso nas décadas seguintes…

Mudanças deste calibre encontram muitas vezes árdua resistência. O consumidor médio naturalmente não entende a ciência e a tecnologia por trás de coisas que parecem inerentemente arriscadas, como sentarmo-nos em cima de motor que funciona à base de explosões ou sermos conduzidos por um carro sem condutor, mas a demonstração em ambiente real tende a ser persuasiva. A demonstração dos carros autónomos já está a acontecer e por isso é importante ponderar o impacto que estes terão. Uma maneira de fazê-lo é simplesmente puxar pela imaginação e imaginar um mundo em que a condução autónoma é uma tecnologia largamente disseminada. Qual é a primeira derivada de impactos desta disseminação? E qual a segunda?

A primeira derivada de impactos afecta obviamente o sector automóvel. Num mundo em que a condução autónoma é uma realidade, em que os carros viajam não só sem condutor mas também podem fazê-lo sem passageiros, o custo de prestar um serviço de transporte personalizado (um serviço de táxi) cairia significativamente. Nesse mundo, deter um carro que custa várias vezes o rendimento mensal da família mais custos de combustível, manutenção e seguro, vai fazendo menos e menos sentido. O mais provável é que o transporte passe a ser maioritariamente um serviço prestado por empresas que detêm frotas deste tipo de carros, e que a generalidade das famílias deixe gradualmente de deter um carro. Quanto valerá um carro a gasóleo que precisa de ser conduzido nesse mundo? Quantos carros deixará o sector automóvel de vender por ano?

Obviamente que este mundo está mais próximo de um filme de ficção científica do que da realidade actual, mas ainda assim, as decisões de investimento que estou a tomar hoje têm em conta a cada vez mais alta probabilidade de que esse mundo vai estar perto de ser uma realidade daqui a dez anos.

O sector automóvel vai muito provavelmente sofrer com a disseminação dos carros autónomos, mas essa é só a primeira derivada de impacto. A segunda derivada é mais abrangente e disruptiva. O sector financeiro, o mercado imobiliário e o mercado laboral estão na segunda linha de choque, e os efeitos serão maioritariamente negativos.