Desde a entrada em vigor da Lei n.º107/2009, 14 de setembro, é possível discutir judicialmente uma contraordenação laboral até sete anos e seis meses após a data da prática da infração, independentemente da sua gravidade. Ao contrário do que acontecia com o Regime Geral das Contraordenações, o legislador deixou de graduar o prazo de prescrição consoante a gravidade da infração. Assim, para este efeito, é irrelevante se estamos perante uma infração leve praticada por um empregador que desenvolva uma atividade sem fins lucrativos ou uma infração muito grave praticada por uma empresa que fature mais de 500 milhões por ano. Nestas duas situações, o prazo de prescrição é de cinco anos, sendo que, por via das regras da suspensão e interrupção, pode chegar aos sete anos e seis meses.

Esta incongruência legislativa foi objeto de recurso para o Tribunal Constitucional face à recusa de aplicação do art.º 52.º da Lei n.º 107/2009, que estabelece o prazo de prescrição do procedimento aplicável às contraordenações laborais e de segurança social por parte de um Tribunal de 1.ª Instância. Neste processo, foi decidido que este art.º 52.º colocava em causa o princípio da proporcionalidade. O recurso promovido pelo Ministério Público, com fundamento na recusa de aplicação daquela norma, foi objeto de decisão no acórdão n.º 297/2016, de 12 de maio.

À primeira vista, pareciam não residir dúvidas de que a aplicação cega de prazos de prescrição em situações completamente diferentes em termos práticos poderia colocar em perigo o princípio da proporcionalidade. Por outro lado, também parece que o aumento do prazo de prescrição não acrescenta valor à dignidade das relações de trabalho em Portugal. Qual a vantagem – e dignidade – para o nosso sistema jurídico de ser possível discutir uma infração laboral “leve” mais de 7 anos depois da sua prática? Desta forma, a construção da prescrição no mencionado art.º 52.º levaria um intérprete mais atento a equacionar que o alargamento do prazo de prescrição apenas serviria para salvaguardar mais tempo para a atuação da autoridade competente fiscalizar as condições de trabalho em Portugal; e, dessa forma, compensar a alegada falta de meios materiais e humanos dessa entidade ou dar cobertura a comportamentos menos diligentes dessa entidade. Só assim seria possível sustentar que uma infração leve pudesse ser equiparada a alguns crimes no que toca ao prazo prescricional. Contudo, no mencionado acórdão, o Tribunal Constitucional limitou-se a identificar este regime previsto no art.º 52.º como “inovatório” e a enquadrá-lo como incluído na “ampla margem de liberdade do legislador ordinário em matéria de contraordenações”. Nesta medida, quando é referido no acórdão n.º 297/2016 que “ao estabelecer o prazo prescricional do procedimento de contraordenações em matéria laboral (…) o legislador deve compaginar os interesses em presença, desde logo a realização, num prazo considerado adequado para o efeito, dos fins do direito sancionatório em causa e a advertência social de proibição de condutas, por um lado, e os interesses dos visados pela ação do Estado, por outro”, ficou claro que este prazo único visa somente proteger a atividade inspetiva e não a tutela jurisdicional efetiva. Isto porque a duração do prazo de prescrição, nos termos atuais, em situações relativas a infrações leves, dificilmente poderá ser considerado como “adequada”.

Assim, de acordo com o Tribunal Constitucional, o art.º 52.º da Lei 107/2009 não viola o princípio da proporcionalidade. Esta decisão acompanha alguma tendência jurisprudencial e legislativa de, por um lado, aumentar sanções contraordenacionais e prazos de prescrição para, por outro lado, desvalorizar o direito de mera ordenação social afetando os direitos de defesa dos arguidos. Estamos, portanto, numa fase em que é importante apreender que o agravamento das sanções em processos de contraordenação laboral (onde até o encerramento do estabelecimento pode estar em cima da mesa) tem de ser equilibrado com uma tutela jurisdicional efetiva e direitos de defesa dos arguidos. Discutir judicialmente contraordenações laborais leves mais de sete anos depois da prática da infração em nada dignifica os nossos tribunais e a atuação da autoridade competente para fiscalizar as condições de trabalho.

Por David Carvalho Martins,
docente universitário e advogado responsável pelo departamento de Direito do Trabalho da Gómez-Acebo & Pombo em Portugal

e Duarte Abrunhosa e Sousa
advogado, mestre em Direito, investigador do CIJE-FDUP