O fenómeno mundial de despedimentos voluntários é o fantasma que assombra as empresas atualmente. “A Grande Demissão”, termo criado por Anthony Klotz, professor associado de administração da May Business School da Texas A&M University, desestabilizou os modelos de trabalho de grandes países como os EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Índia, Austrália e Singapura durante os primeiros dois anos da pandemia de Covid-19.

Klotz diz que os trabalhadores tiveram “epifanias” durante o tempo de distanciamento social, por perceberem que podiam passar mais tempo em família, a dedicar-se a hobbies e projetos pessoais e, sobretudo, ter mais tempo para pensar. Tudo isto transformou a maneira como os funcionários veem o trabalho.

Todos nós observamos, diariamente, a grande demissão acontecer e parece que este é um processo que irá continuar. De acordo com o estudo “2022 Office Worker Survey”, da empresa de software de automação empresarial UiPath, que recolheu 5.000 respostas de trabalhadores de escritório, 70% desses trabalhadores consideram abandonar os seus empregos nos próximos seis meses!

Em Portugal, há uma enorme dificuldade para encontrar e recrutar pessoas para diferentes áreas de trabalho. Além de se demitirem, algumas pessoas recusam regressar aos modelos antigos de trabalho. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2021, as atividades relacionadas com o turismo contavam com menos 76,3 mil pessoas do que em 2019, antes da pandemia. Já os serviços administrativos e de apoio também não voltaram a contratar 26,2 mil trabalhadores.

Em 2022, como medida alternativa para resolver a falta de trabalhadores na indústria da restauração, o Governo português aprovou uma nova modalidade de visto para pessoas da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Contudo, apesar de necessária, a medida é vista como apenas um dos critérios que podem ajudar a manutenção do setor pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul. A instituição aponta ainda que é necessária uma melhora nos salários oferecidos – o salário mínimo em Portugal é de 705 euros, o menor da Europa ocidental – e flexibilidade das jornadas de trabalho.

Todos esses números e eventos recentes mostram uma consolidação no pensamento atual dos trabalhadores, que procuram qualidade de vida e propósito no que fazem. Este cenário força as empresas a também repensarem o trabalho, os seus modelos de contratação e retenção de talentos.

Os impactos das demissões voluntárias são diretamente sentidos na produtividade, na satisfação dos colaboradores e no lucro da empresa. Além disso, investir na retenção de profissionais talentosos é ainda mais barato do que o processo de contratação de novos trabalhadores e os colaboradores que permanecem podem ficar sobrecarregados com as tarefas e, certamente, insatisfeitos. As mudanças constantes de colaboradores também geram um clima organizacional penoso, o que pode gerar conflitos e, consequentemente, o abandono.

Muito importante: quando a empresa consegue um nível baixo de demissões preserva a sua própria imagem e o capital financeiro e intelectual.

Três passos para melhorar a retenção

Passo 1: Atualmente, há muitas ferramentas disponíveis para as empresas gerarem maior satisfação entre os seus funcionários e reterem talento. Contudo, nenhuma é tão eficaz do que conectar-se verdadeiramente com o seu colaborador. Uma boa maneira de fazer essa conexão acontecer é dando voz ao trabalhador, ouvindo as inquietações e garantindo o bem-estar no local de trabalho.

Passo 2: O segundo passo é ajudá-lo a encontrar o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, oferecendo rotinas flexíveis, salários justos e feedback constante.

Passo 3: Um passo ainda mais eficaz é alinhar o propósito corporativo ao propósito individual do trabalhador. Para que isso aconteça, uma boa ferramenta e que está cada vez mais a ser usada pelas empresas são os retiros corporativos. Primeiro, porque estes encontros promovem um sentimento de coesão e união nas equipas, além de incentivarem à colaboração interpessoal. Segundo, porque este modelo ajuda no desenvolvimento de habilidades e competências pessoais, de forma que os trabalhadores possam contribuir para o todo.

Este também é um bom momento para construir ou melhorar a cultura empresarial. A troca de experiências proporcionada pelos retiros corporativos e o estreitamento das relações é um ótimo exercício para criação de relações empáticas, profundas e duradouras.

O mote de um retiro corporativo pode ser o autoconhecimento e desenvolvimento pessoal ou atividades diversas, como aventuras, ou mesmo relaxamento e ioga. O importante aqui é desafiar a equipa, dar uma missão que no final do retiro seja cumprida, mas, principalmente, levar os trabalhadores a desafiarem-se a eles próprios e a superarem os próprios limites.

O que é garantido é que envolver os colaboradores num projeto deste tipo trará mudanças significativas e melhorias nas relações, na produtividade e ainda novas formas de comunicação, o que trará maior dinâmica para as equipas. O que não pode acontecer é as empresas ficarem paradas a ver os seus colaboradores saírem sem repensarem e alterarem métodos de trabalho. Ação precisa-se.