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Presidente do TdC diz que privatização da ANA não salvaguardou interesse público e recusa contradição com 2016

O presidente do Tribunal de Contas esteve esta quarta-feira no parlamento a defender que a privatização, feita no tempo da troika, não salvaguardou o interesse público. Isto depois de a instituição, em 2016, ter concluído que a privatização se revelou “adequada à luz do interesse dos contribuintes”. Mas garante que não age de forma diferente consoante o Governo.
12 Setembro 2024, 10h58

O Tribunal de Contas (TdC) considera que o contrato do Estado com a ANA – Aeroportos de Portugal levou a um “monopólio fechado por 50 anos” que durará gerações.

O presidente da instituição foi esta quarta-feira ao parlamento defender que a privatização, feita no tempo da troika, não salvaguardou o interesse público. Isto depois de o Tribunal de Contas, em 2016, ter concluído que a privatização “revelou-se adequada à luz do interesse dos contribuintes”.

Perante esta contradição, o presidente do Tribunal de Contas defendeu-se ontem na Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação, no âmbito de uma audição a pedido do PSD, dizendo que a entidade que fiscaliza as contas públicas não agiu de forma diferente consoante o Governo.

José Tavares garantiu ainda que o relatório de auditoria, concluído no fim do ano passado, à privatização da ANA foi divulgado no “tempo certo” e para que não houvesse interferência nas eleições legislativas.

José Tavares disse ainda que, na auditoria divulgada em janeiro, não há contradições quanto ao que disse o Tribunal de Contas em 2016 sobre a privatização da ANA pois “aí não houve um relatório, o que houve foi um relato [feito pelos auditores] para contraditório” que foi enviado a várias entidades.

Nesse processo o relato não tinha a “fundamentação necessária”, disse acrescentando que o Tribunal de Contas decidiu cancelar essa ação de auditoria (que não tinha sido pedida pelo Parlamento), considerando que não é inédito e é “normal o Tribunal cancelar ações de auditoria”.

No documento de 2016 do TdC, é dito que a ANA foi concessionada à empresa que apresentou “a melhor proposta” no concurso público internacional.  Em 2016 o Tribunal de Contas dizia que o encaixe financeiro com a alienação da empresa que gere os aeroportos contribuiu para salvar Portugal da bancarrota em tempos de Troika. “A privatização cumpriu o seu objectivo principal: a redução da dívida pública maximizando o valor da venda”, concluía o documento de 2016, citado pela CNN.

No documento datado do fim do ano passado, uma auditoria feita a pedido da Assembleia da República, a instituição liderada por José Tavares conclui que “o Estado decidiu a venda integral da ANA, em contexto adverso (com urgência, em situação recessiva), enquanto a maioria dos países da UE manteve a participação no capital social das entidades gestoras aeroportuárias. A urgência em concluir a privatização fez iniciar e aprovar o respetivo processo sem todas as condições necessárias à sua regularidade, transparência, estabilidade, equidade e maximização do encaixe financeiro. Agravando os riscos destes desfasamentos, a avaliação intempestiva da ANA não supriu a sua falta de avaliação prévia, que era legalmente exigível. O Estado concedeu à Vinci os dividendos de 2012, quando a gestão ainda era pública e suportou o custo financeiro da ANA para cumprir o compromisso assumido no contrato de concessão, tendo o preço da privatização (1.127,1 milhões) sido 71,4 milhões inferior ao oferecido e aceite (1.198,5 milhões)”.

A segunda conclusão da auditoria do órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas, que a lei mandar submeter-lhe, refere que “o Estado privilegiou o potencial encaixe financeiro com a venda da ANA, no curto prazo, em detrimento do equilíbrio na partilha de rendimentos com a concessão de serviço público aeroportuário, no longo prazo. As disposições sobre a regulação económica da concessão transitaram, durante o processo de privatização, da lei aplicável para o contrato, fragilizando a regulação e com prejuízo para a estabilidade processual e para a transparência e publicidade daquelas. A privatização da ANA comportou a concessão de um monopólio fechado por 50 anos num setor estratégico para a economia do país, com desperdício da oportunidade de introduzir os benefícios da concorrência”.

Por fim, o TdC diz que, “em suma, face ao regime legal aplicável e aos contratos de concessão de serviço público aeroportuário celebrados com o Estado português, a privatização da ANA não salvaguardou o interesse público, por incumprimento dos seus objetivos. Com efeito, a verificação da materialidade, ou, mesmo, a materialização dos principais riscos identificados pela auditoria faz concluir não ter sido maximizado o encaixe financeiro resultante da alienação das ações representativas do capital social da ANA; não se ter verificado o reforço da posição competitiva, do crescimento e da eficiência da ANA, em benefício do sector da aviação civil portuguesa, da economia nacional e dos utilizadores e utentes das estruturas aeroportuárias geridas pela ANA; não ter sido minimizada a exposição do Estado português aos riscos de execução relacionados com o processo de privatização, não se tendo assegurado que o enquadramento deste processo protegeria cabalmente os interesses nacionais”.

Confrontado pelos deputados, o presidente do TdC, com a diferença da opinião em sete anos, José Tavares justificou que a informação divulgada em 2016 sobre a privatização da ANA “não é um relatório de auditoria da instituição, mas sim um relato dos auditores para contraditório, pelo que não vincula nessa fase o tribunal”.

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