Ciência criminal e processo penal não são as minhas especialidades como advogado. Todavia, tal não me impede de ter a minha opinião jurídico-política sobre os recentes acontecimentos.
Saliento, para a minha análise, os processos criminais que fizeram cair dois governos.
Como nota prévia, entendo que se devem dissociar a responsabilidade política da responsabilidade jurídico-criminal. Nesta última, funciona a presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença condenatória e, na primeira, funciona a máxima de que não basta ser sério na política, é preciso parecer, ou seja, funciona uma presunção de princípio de culpa cuja sanção típica, normal e adequada, é a demissão do suspeito.
Alguns dirão que este é um argumento populista. Eu diria que temos de mudar o paradigma dos políticos. A política deve ser uma missão e não um emprego. E para serem políticos têm de ter currículo, provas dadas na vida privada, emprego, serem empresários, professores e, em geral, uma profissão conhecida e reconhecida fora da política.
Se alguém que for chamado para a política, com aquele curriculum, não se importará de ter de pedir a demissão e regressar à sua vida normal. Só aqueles que vivem da política é que se agarram ao poderzinho, ao tacho ou ao único meio de subsistência que conhecem…
Não subsistem, assim dúvidas, que o primeiro-ministro sendo suspeito de prática de crimes no exercício das suas funções políticas – confirmadas pela Procuradora-Geral da República, por aquele nomeada – e pelo simples facto do seu “melhor amigo” estar envolvido na prática de crimes de tráfego de influências ou pelo facto do seu chefe de gabinete ter escondidos 75.000 euros em livros e caixas na residência oficial do primeiro ministro, teria de se demitir. Ponto.
E por identidade de razões, também Miguel Albuquerque teria de se demitir.
Ambos o fizeram e bem, pese embora a “montanha tenha parido um rato”, pelas decisões instrutórias (e não definitivas…) em ambos os casos. Trata-se de responsabilidade política e não responsabilidade jurídica.
Mas isto não absolve o escândalo da desproporção dos meios em ambos os processos penais em apreço. Digo isto a propósito das abusivas e ilegais (inconstitucionais) detenções dos suspeitos.
Há uma total falta de bom senso na Procuradoria-Geral da República, nos procuradores e nos juízes de instrução envolvidos nestes processos. E aprendi, e nunca esqueci, com o meu orientador de tese, João Calvão da Silva, que a interpretação e aplicação do direito deve ser, em primeira análise, feita ao abrigo do bom senso. E o que mandava o bom senso nas detenções em apreço? Desde logo, saber se se tratava de pessoas que iriam fugir, se iriam perturbar a investigação ou se haveria perturbação da ordem pública.
Não há um único suspeito detido, nos dois processos, que não se apresentasse voluntariamente se fosse notificado para comparecer junto das autoridades públicas. Não havia necessidade de detenção. Ponto. Mas isto dito, teriam todos que apresentar a demissão dos seus lugares políticos, independentemente da detenção ou não. Responsabilização política…
E também aprendi nos bancos da faculdade, pelo grande mestre de direito penal, Cavaleiro Ferreira, que mais vale 50 criminosos em liberdade do que um inocente preso. Transposto para um estádio anterior à sentença de condenação, por maioria de razão, deter pessoas sem culpa formada e gozando da presunção de inocência é muito mais grave.
Isto tem de ser pensado por todas as pessoas. Quem é que se vê numa situação de detenção por sete dias, no primeiro processo, e em 21 dias, no seguinte, sem saber que acusações lhe são dirigidas, com a sua vida pessoal, familiar e socioprofissional destruídas. Sim, destruídas, porque, como ensina o povo, a “lama salpica sempre” e o opróbrio social com a detenção existe sempre.
A revisão constitucional deve ser aproveitada para impor que a detenção deva ser a última ratio, que o arguido detido deva ser ouvido por um juiz, para aplicação das medidas de coação, num prazo máximo de 48 horas e ser libertado se não o for. Mais vale 50 criminosos em liberdade do que um presumível inocente detido.