A Assembleia da República aprovou, na generalidade, uma nova descida de IRS. Não vou ocupar esta coluna a falar desta descida em particular, quer do ponto de vista da justiça na distribuição, quer do ponto de vista da sua compatibilidade com o cenário económico e orçamental.

Por agora, devemos deixar claro que o Governo assumiu essa comportabilidade orçamental, pelo que resta às famílias e às empresas a segurança de que esta descida de IRS não será paga pelo aumento de outro imposto (designadamente dos impostos sobre os combustíveis) nem pelo corte de nenhuma despesa necessária.

A este propósito, veremos se o prémio salarial dos jovens qualificados – que lhes devolve nos primeiros anos de trabalho o valor das propinas correspondente ao ciclo de estudos que fizeram – será ou não retirado de vez na lei. É que o atual Governo congelou esse prémio de que beneficiaram cerca de 100.000 jovens, nunca assumindo que o estava a fazer, simplesmente não abrindo período de candidatura. Ao mesmo tempo, dá respostas vagas sobre a manutenção deste prémio, remetendo para o IRS Jovem.

O governo tem legitimidade para definir os programas de políticas públicas que mantém ou que descontinua. O que não pode, em meu entender, é fingir que não está a descontinuar o prémio salarial para os mais jovens, e na prática prejudicar dezenas de milhares de jovens.

Por isso estou na expetativa de ver como vão os partidos da direita parlamentar votar a proposta do PS que visa assegurar a cumulatividade do prémio salarial e do IRS Jovem, e determina prazos concretos para submeter esses mesmos pedidos. Espero que não sejam os jovens qualificados a pagar esta descida de IRS com o fim do prémio salarial correspondente à devolução das propinas. Tal como o IRS Jovem deste Governo foi integralmente pago pelo aumento dos impostos sobre os combustíveis. Ou o IMT Jovem que foi pago pelos jovens no aumento do preço das casas. “Baixar impostos sem truques”, o mantra de Luís Montenegro na oposição, claramente que não foi seguido por Luís Montenegro, primeiro-ministro.

Mas centremo-nos noutra dimensão, que não tenho visto tratada. Um País em que sempre tanta gente fala de estabilidade fiscal e de diminuição de custos de contexto para as empresas, curiosamente tem essas mesmas vozes silenciadas com uma realidade em que as descidas de IRS se fazem em qualquer momento do ano – e não no início, como seria aconselhável – que fará com que em dois anos haja 6 tabelas de retenção na fonte diferentes.

Os custos de adaptação dos sistemas de processamento de salários nunca têm sido abordados. Mas existem e são seguramente um quebra-cabeças para milhares de empresas. Para além do custo financeiro que também acarretam. Para já não falar da consequência para a previsibilidade do rendimento das famílias, de que as oscilações de reembolsos de IRS são talvez a expressão mais visível.

Convenhamos: a coerência entre o discurso e a prática deveria ser o normal. Defender a estabilidade fiscal e a diminuição de custos de contexto das empresas e ter esta técnica de legislar em matéria fiscal são realidades totalmente contrárias. Que apenas se soma aos truques de dar uma mão e tirar com a outra.