Falta afeto a António Costa. E se há coisa que Marcelo Rebelo de Sousa ensinou a todos os políticos é que, em política, o afeto conta. Já os défices, desde que a Europa não nos chateie, chateiam cada vez menos.

O Orçamento do Estado que costuma ser a grande arma de arremesso político, conseguiu não provocar desassossego de maior (exceto nos recibos verdes que o Governo rapidamente tratará de arranjar uma solução a meio caminho e a bem na especialidade) nem sequer nos mais críticos.

Já os incêndios é outra conversa. E o round 1 de Pedrógão foi a primeira ida ao tapete de António Costa. Pena o estado comatoso do PSD, que conseguiu fazer uma oposição que lhe saiu uma emenda pior que o soneto: resolveu ir atrás do dividendo político oportunista em vez de mostrar sentido de Estado e como faria diferente.

Agora chegou o round 2 e Costa está de novo no tapete. Muito próximo do KO e incapaz de expressar uma emoção. Arrogante como só Constança Urbano de Sousa  soube ser. À primeira o país perdoou-lhe e teve a mão de Marcelo a ajudar. À segunda ninguém lhe perdoará (e não perdoou). Marcelo, por sua vez, mudou claramente mudou de tom.

O relatório sobre Pedrógão arrasa com a Proteção Civil e, por arrasto, com o Ministério que a tutela. Está lá o retrato da forma deste Governo estar em política: gente pouco preparada, reação tardia, falta de recursos, arrogância. Quando se trata de números, o povo perdoa. Quando se trata de vidas, a memória não é curta. E a insensibilidade paga-se caro.

Ouvir remoques de ministros e do primeiro-ministro em conferências de imprensa ouvidas por famílias que perderam pessoas, emprego, casa e um sentido para a vida é inaceitável. Recorrer a estatísticas para salvar a face e dourar o que não tem ponta por onde se lhe pegue, pior ainda. Mas foi que fez António Costa:

“Quando há 523 incêndios, é evidente que não há meios para acorrer a todas as situações. Não tínhamos uma situação destas desde 2006. Este é o 22º dia com mais ocorrências desde o início do século”. “Houve mais de 500 ocorrências hoje e neste momento há cento e tal. Isso significa que acabámos com 400. Por cada uma que corre mal, há quatro que correm bem”.

Com esta reação, o primeiro-ministro preferiu colocar-se ao lado dos seus e não ao lado das famílias e do país. Desde Pedrógão tivemos uma única evolução: um relatório que atesta a responsabilidade política do Governo (e dos anteriores) e a falta de meios técnicos e humanos adequados da Proteção Civil. Não é de hoje para amanhã, nem de julho para outubro que se reformula um sistema de prevenção de incêndios, mas é de hoje para amanhã que se substitui quem falhou.

É que por cada quatro que correram bem, houve uma em que morreram pessoas. Basta uma.