O Boletim Económico do Banco de Portugal (BdP, março 2025) confirma o bom momento da economia portuguesa, apesar do contexto geopolítico.

A revisão em alta do crescimento do PIB (+0,1pp), em relação à projeção de dezembro, é seguramente uma boa notícia, mas não pode deixar de ter um olhar mais fino. Com efeito, face à estimativa de dezembro, a projeção é de uma aceleração do consumo privado (+0,1pp) e de uma desaceleração do investimento (-1,5pp) e das exportações (-0,5pp).

O consumo privado tem sido suportado pela melhoria do emprego, salários e pensões, trajetória iniciada em 2016. No final de 2024, a aceleração do consumo privado refletiu medidas isoladas: um suplemento extraordinário aos pensionistas – alocando a este fim parte do excedente orçamental deixado pelo Governo PS – e a revisão retroativa das retenções da fonte de IRS, muito superiores às alterações aprovadas no Parlamento.

Foi uma habilidade para gastar o excedente herdado e, desta forma, simultaneamente procurar criar um clima de curto prazo favorável ao governo e, por outro lado, procurar chegar ao fim de 2024 com um resultado orçamental mais modesto que valide a queixa inicial do Governo AD de que encontrou os cofres menos cheios do que se pensava. Os reembolsos de IRS dentro de umas semanas estarão aí para desmascarar a habilidade.

O que preocupa nas projeções com a desaceleração do investimento e das exportações é o tempo perdido na trajetória de maior competitividade da nossa economia. Nestes 11 meses, a única ideia do governo para a economia assenta num suposto milagre de redução de IRC, que beneficia poucas empresas e retira mais muitos milhões de euros em capacidade para o Estado responder às necessidades sociais.

Ignorar os relatórios Draghi e Letta, como aconteceu com este Governo, é uma falta de comparência imperdoável no debate atual do rumo da política industrial europeia. A forma como o Governo desdenha sistematicamente a afirmação do Secretário-Geral do PS, quanto à necessidade de especialização e sofisticação da nossa economia, corresponde a algo mais perigoso que a ignorância. Representa a irresponsabilidade de quem não está à altura do seu tempo.

O aumento da competitividade da nossa economia exige a definição de uma política industrial eficiente. Tal como está subjacente nas Agendas Mobilizadoras integradas no PRR, e que correspondem ao primeiro exercício sério e em escala de redes de inovação que junta empresas e academia, Portugal precisa de definir o rumo da sua política industrial para a próxima década, no quadro dos instrumentos europeus que decorrem dos relatórios Draghi e Letta. É tempo de um debate sério sobre o rumo da nossa economia.