A obra do escritor angolano Pepetela pode servir, perfeitamente, como o nosso pano de fundo para analisar o percurso das independências africanas do passado para o presente.

O referido autor instituiu na nossa memória colectiva e histórica, através da conhecida obra “A Geração da Utopia” (1992), um retrato de uma geração da qual fizeram parte alguns dos líderes das independências africanas, nomeadamente figuras de destaque nos movimentos de libertação nacional de Angola, da Guiné-Bissau e de Moçambique.

A geração da utopia era constituída por estudantes das colónias portuguesas que se encontravam na metrópole, muitos dos quais inseridos na Casa dos Estudantes do Império. Ou seja, correspondia a um grupo de jovens promissores que se pretendia formado (e moldado) segundo a concepção do Estado Novo com o intuito de munir as colónias portuguesas de uma elite africana. No entanto, esta geração tinha ambições de natureza sociopolítica completamente diferentes das programadas pelo Estado Novo.

Assim, fizeram dos seus sonhos uma utopia política e mergulharam mesmo em lutas anticoloniais contra o jugo da exploração imperialista. As independências africanas carregaram, pois, este lastro utópico, no sentido de um mundo mais justo e livre para os povos africanos espoliados e explorados.

Decorridos tantos anos das independências africanas observa-se que essa mesma geração da utopia deixou de ser capaz de produzir novas narrativas utópicas. Dando, sim, lugar a uma geração de “Predadores” (Pepetela, 2005) dos recursos do Estado, perdendo, deste modo, um referencial ético e moral para os jovens.

Por exemplo, hoje, em Angola, surgiu na esfera pública o discurso do resgate dos valores morais. Porém, este discurso moralista de resgate nunca veio acompanhado de qualquer interrogação profunda e ponderada quanto aos valores transmitidos às novas gerações quando o próprio esquema de enriquecimento surgiu durante a luta de libertação nacional e cristalizou-se rapidamente no pós-independência.

Assim, não constitui nenhum espanto que o próprio Pepetela, criador do conceito de geração da utopia, se tenha tornado num autor convertido por uma perspectiva distópica sobre a política africana. Esta conversão encontra-se materializada na sua última obra intitulada de “Sua Excelência, de Corpo Presente” (Pepetela, 2018), onde se narra a estória de um presidente banal, sem nenhum tipo de heroísmo, que, por um acto de sorte ou acaso, consegue chegar ao poder.

Este sujeito torna-se num ditador e faz uma má gestão dos recursos do Estado, levando, por conseguinte, o seu país para uma situação de miséria. Por isso, no seu velório o palácio é invadido pelos populares e o seu caixão atirado ao lixo, num culminar de uma tragédia política.

Esta perspectiva distópica e realística de Pepetela, no retrato que faz das lideranças africanas do pós-independência, carrega em si de um ideal pessimista quanto ao futuro de África e, por conseguinte, relativamente ao rumo que tomaram as independências africanas. Posto isto, podemos considerar que a maior tragédia da geração actual é receber uma realidade presente sem espaço para utopias, porque as necessidades materiais imediatas determinam as nossas acções presentes.

Em suma, o discurso presente, marcado por uma visão sustentada por um tom utópico, é descrito como sendo irrealista e fora da realidade concreta. Ou seja, deixou de se alimentar uma possibilidade de futuro utópico porque somos todos prisioneiros do presente e das suas dinâmicas. Concluindo, a morte das utopias (apelando agora a um escritor de latitudes bem diferentes) está mais do que anunciada.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.