A participação de Edward Snowden na Web Summit constitui uma oportunidade para refletir sobre um ato glorificado por uns e condenado por outros. Oportunidade de discorrer sobre as suas justificações e as consequências de um comportamento apresentado como heroico e criminoso. Tudo depende do lado da moeda onde nos posicionamos.

Todos admiramos atos carregados de sentido grandioso. O engenho humano glorificado em grandes produções para consumo em grande escala – um blockbuster. O ato de Snowden tinha tudo para isso. Carregando argumentos com enorme impacto público, de violação de privacidade e confidencialidade, a comunidade politicamente correta aplaudiu o comportamento, que encaixou na denúncia de um perfil de secretismo que nos enche o espírito e preenche a imaginação. Acompanhar quem tem acesso a informações pessoais e constatar que estas podem ser inadequadamente usadas faz agitar as consciências e as preocupações.

A glorificação deste gesto, que põe a nu a natureza e dimensão do acesso a certo tipo de dados, não pode ser analisada sem olhar para o outro lado, isto é, a justificação de acesso a dados com a finalidade de evitar acontecimentos que põem em causa a segurança individual dos cidadãos e não justificações abstratas de segurança nacional.

O contraponto conduz aos atentados às Twin Towers, à estação de Atocha, nos transportes em Londres, ou, mais recentemente o ataque ao Charlie Hebdo e ao Bataclan em Paris, entre outros pela Europa fora. Mas a estes, que infelizmente foram consumados, há que somar as centenas de situações evitadas, umas públicas e a maior parte numa discreta reserva, que levaram a que vidas fossem poupadas felizmente nunca conhecendo novas vítimas. Situações que foram evitadas pelo uso de informação que apenas pode ser divulgada posteriormente.

Privacidade e segurança são as faces do mesmo desafio. E constituem os dilemas dos tempos modernos na medida em que os cidadãos exigem ambas. E estas não podem ser antagónicas, antes devem ser cuidadosamente trabalhadas em conjunto.

O brutal desenvolvimento digital em que tropeçamos arrepia-nos, quando verificamos que o seu uso nos pode violentar mais do que uma agressão física. Os riscos de exposição pessoal ou de intrusão em arquivos de entidades coletivas com objetivos inconfessados e de natureza criminal, sobem exponencialmente.

O desafio dos limites do controlo e do acesso a dados é uma das batalhas mais presentes. Batalha silenciosa e invisível que temos de travar numa avaliação das barreiras, limites e permissão de uso. Os riscos são gigantescos. Mas a tecnologia tem dois sentidos na reciprocidade. O ponto de sabedoria é proporcionar os meios de acesso até assegurar a bissetriz de conforto para evoluir, prevenindo. Sem criar novos heróis, nem mártires, nem novos demónios.

Snowden não é santo, tanto quanto os denunciados – agências, empresas, países – que usam estrategicamente dados de forma inapropriada. As redes globais comprovam-no. No melhor exemplo com que temos convivido, o hacker português que tentou extorquir valores depois de denunciar situações alegadamente ilegais,  quando encurralado colabora com as autoridades exigindo compreensão. Ambos alegadamente policiando o mundo em versão apocalítica. O segredo do sucesso passa pois por encontrar a linha condutora de proteção mais global da privacidade, sem descurar a segurança, individual e coletiva.