Nas últimas semanas Portugal esteve entretido a discutir os famosos “casos e casinhos” que alimentam os comentadores, dão tema para discursos inflamados e indignados nas redes sociais e criam evidentes embaraços para a gestão da imagem do Governo.

Não pretendo entrar aqui nessa discussão. Reconheço a validade de críticas relativas a pessoas que ocupam ou pretendem ocupar cargos públicos e que terão praticado actos eticamente censuráveis, mas, por um lado, parece-me que essa discussão está a descair para o exagero e, por outro, em muitos casos não lhe vejo relevância quando penso naquilo que verdadeiramente nos devia interessar, que são as opções e iniciativas para promover o desenvolvimento económico e social do país.

Nesse entendimento, uma análise desapaixonada devia levar-nos a reconhecer que tanto há áreas em que existem problemas sérios em que tarda uma resolução, como na organização da justiça, no ensino e no funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, como há coisas que estão a ser feitas, e bem feitas, para impulsionar a mudança e o desenvolvimento para que a economia possa crescer de modo sustentável e proporcionar novas oportunidades às próximas gerações.

Uma dessas áreas é a transição energética, fenómeno absolutamente inevitável e que será melhor abraçar desde já para que não seja mais difícil e mais custoso no futuro. E, para isso, é necessário que haja mais discussão sobre o assunto.

Infelizmente, parece-me que uma iniciativa nesta área que deverá ser extremamente relevante para o futuro económico do país, que é o recente lançamento da consulta pública sobre as áreas marítimas que poderão ser objecto de aproveitamento para a produção eléctrica eólica offshore, não está a ter a divulgação e atenção que deveria ter.

Trata-se de um projecto com características transformacionais para a economia portuguesa. Pensemos no seguinte: a ideia é dentro de alguns anos triplicar a potência instalada de produção nacional de electricidade de origem eólica.

Só por si, este efeito tem um impacto extremamente relevante, por acelerar a tendência para reduzir o recurso ao carvão e ao gás natural. Para além do evidente impacto ambiental, esta alteração também significará redução das necessidades de importação e reforço da autonomia energética nacional.

Na frente industrial, será necessário construir e instalar algumas centenas de torres e múltiplas plataformas flutuantes a elas associadas. Daí poderão resultar excelentes oportunidades para as empresas metalomecânicas e construtoras de turbinas, pás para hélices e outros equipamentos de produção e transporte de electricidade.

E dado que se trata de um projecto a ser desenvolvido no mar, as exigências de manutenção e operação das enormes estruturas necessárias – que representam um salto tecnológico apreciável que irá exigir adequada formação e preparação técnica – irão perpetuar a oportunidade de criação de postos de trabalho especializado e induzir outros efeitos em vários sectores que serão chamados a participar nessas actividades.

Não será difícil conceber outros efeitos positivos deste projecto, em segmentos mais a jusante. Designadamente, devíamos reconhecer a oportunidade para desenvolvimento e reforço das redes de transporte e distribuição de energia, que terão mais capacidade para responder rápida e eficazmente a novos desafios em particular o da crescente eletrificação da economia. A energia mais facilmente disponível poderá potenciar a criação de novos polos industriais, sobretudo nas áreas onde actualmente se verifica maior carência de oportunidades económicas e que por isso mesmo sofrem uma maior erosão populacional.

Por outro lado, a redução das necessidades de utilização das redes de transporte e distribuição de gás natural pode dar oportunidade para que se estude a possibilidade de reconverter essas redes para outras utilizações, designadamente o transporte de hidrogénio, que poderá por sua vez induzir o desenvolvimento de novas fontes de produção de electricidade, igualmente com potenciais efeitos benéficos ao nível ambiental.

Evidentemente que será necessário que as fórmulas tarifárias sejam bem pensadas. Um dos pontos mais importantes para o sucesso deste projecto será que não resulte num aumento brusco dos custos da energia. Ora, projectos desta natureza e com este impacto possível não surgem com frequência. Mas de vez em quando surgem. Penso que seria muito importante que lhe fosse dada a relevância e atenção que seguramente merece, para que se desenvolva em todo o seu potencial.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.