De modo inovador e provocatório, o INEM promove uma campanha de sensibilização dos jovens contra a ingestão de cápsulas de detergente, ao que parece uma moda viral nas redes sociais. Reza o teaser em tom brutal que “comer cápsulas é estúpido”. O anúncio é acompanhado de um subtítulo: “come bolachas”.
Louva-se a iniciativa! De facto, sem pruridos nem meias-tintas, “comer cápsulas é estúpido”. O problema vem com o conselho adjacente: “come bolachas”?! Será que o INEM desconhece o novo Index dos produtos proibidos, exarado em despacho do Ministério da Saúde? Aí pode ler-se que é proibida a venda, em todos os estabelecimentos do SNS e em todos os serviços do Ministério da Saúde, de “bolachas e biscoitos que contenham, por cada 100 g, um teor de lípidos superior a 20 g e/ou um teor de açúcares superior a 20 g, designadamente, bolachas tipo belgas, biscoitos de manteiga, bolachas com pepitas de chocolate, bolachas de chocolate, bolachas recheadas com creme, bolachas com cobertura”.
Mas não foram só as bolachas as vítimas do afã sanitário do Ministério. A proibição estende-se às “guloseimas”, aos bolos em geral, às sandes com ketchup, maionese e mostarda, ao pastelinho de bacalhau e outros salgados. Enfim, é fastidioso repetir a lista, elaborada com tanto zelo e cuidado por especialistas.
Atente-se que a proibição não se aplica apenas aos doentes, o que já seria em alguns casos estranho, ou aos utentes internados e a precisar de dieta rigorosa. A dieta impõe-se a todos – familiares que acompanham os doentes, funcionários dos estabelecimentos, novos e velhos, doentes e saudáveis. O autoritarismo alimentar é igualitário e não deixou ninguém de fora. Sempre se dirá, em defesa do despacho, que o Ministério proíbe o que quiser em sua casa, o que, no caso dos hospitais e centros de saúde, nem sequer corresponde integralmente à verdade, uma vez que estas entidades não se confundem organicamente com o Governo, nem estão sujeitas ao poder de direção do ministro.
Ainda assim, descontando este pormenor, cumpre perguntar se, materialmente, pode o Governo proibir a venda de alimentos que considera pouco saudáveis. Evidentemente, numa ordem constitucional de liberdade, as escolhas alimentares dos cidadãos adultos não podem ser comprometidas por decisões do poder. O Estado pode informar dos malefícios do consumo de certos alimentos, eventualmente tributar mais severamente aqueles que são mais nocivos, mas nunca proibi-los (salvo por razões de qualidade e segurança).
A liberdade, designadamente a de não ser saudável, não tem menos valor por ser exercida num espaço cujo proprietário é uma entidade pública. O “Estado-pai” que nos impõe um cardápio, ainda que com boas intenções, constitui sempre um sinal de infantilização dos cidadãos e de menorização da sua capacidade de discernimento. É como diz o INEM, come bolachas, porque, tal como comer cápsulas, proibir bolachas é estúpido. Ou, pedindo de empréstimo à Tabacaria de Álvaro de Campos: “Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no Mundo senão chocolates”.