Vivemos novo período eleitoral e, se há coisa que tende a não mudar, a lista das promessas eleitorais conta-se entre elas. De todas as proveniências, de todos os quadrantes, de todas as origens – a oferta de promessas e benesses está na ordem do dia como é suposto acontecer em período eleitoral que se preze. Até aí, tudo (mais ou menos) bem, tudo (mais ou menos) conforme.

O que não deixa de surpreender, e surpreender de uma forma cada vez mais nítida, prende-se com o facto de a generalidade dos diferentes partidos políticos que se aprestam a disputar as próximas eleições legislativas ignorarem, quase por completo, uma realidade que é cada vez mais incontornável, cada vez mais adquirida, mas que, surpreendentemente, parece em absoluto ignorada e desconsiderada. Referimo-nos à presença e à pertença de Portugal ao espaço europeu, ao permanente e constante aumento das competências da União Europeia nos mais diversos domínios económicos, comerciais, sociais e, até, políticos. Esse processo, tecnicamente conhecido como de aprofundamento das políticas comunitárias, caracteriza-se por uma sustentável mas irreversível transferência de competências dos Estados-membros para a União Europeia e para as suas instituições, processo esse que é feito à custa das competências dos próprios Estados que integram o projeto europeu, a par da construção de um cada vez maior número de políticas comunitárias que, de forte cariz supranacional, prevalecem e se impõem sobre as políticas nacionais.

O instrumento legislativo privilegiado para corporizar e conter tais políticas europeias, são os regulamentos e as diretivas comunitárias – as quais, nos anos mais recentes, continuam a ser em número substancialmente superior ao das fontes de direito interno, sejam elas leis, decretos-leis ou quaisquer outras previstas no nosso ordenamento constitucional. O que significa, desde logo, que o número de atos legislativos que se nos impõem todos os anos com a sua origem nas instituições comunitárias é francamente superior ao número de atos legislativos que se nos impõem e que têm a sua origem ou na Assembleia da República ou no próprio governo.

Quem atentar, porém, nos discursos eleitorais que se vão escutando nesta pré-campanha e campanha eleitoral, dificilmente se aperceberá dessa realidade incontornável e indesmentível. No domínio das promessas políticas dos dias que passam, tido se passa, praticamente, como se a nossa pertença à União Europeia não existisse, como se as nossas instituições políticas detivessem a integralidade das suas competências originais, como se não houvesse políticas comunitárias e políticas comuns europeias, como se a nossa Assembleia da República e o governo que dele emergirá pudessem tudo legislar, sobre tudo decidir, livres e libertos de constrangimentos e vínculos comunitários. Na agricultura, nas pescas, no turismo, nas políticas do mar – praticamente para todos os domínios da (antiga) governação se propõem medidas, se fazem promessas e se vendem esperanças e ilusões que, sabemos de antemão, estão condenadas à irrelevância e ao insucesso. Tão-só e apenas porque o poder de decisão já não se encontra sediado em Lisboa mas reside em Bruxelas e Estrasburgo.

Decerto – esta realidade é, deliberadamente, ocultada e escondida do cidadão-eleitor. Não fora assim e, logicamente, se instalaria a dúvida – mas, afinal, para que servem as promessas que são feitas? Para que vamos eleger 230 deputados se o respetivo poder de decisão foi assaz reduzido e deveras cerceado? São perguntas óbvias que o eleitor médio não deixaria de colocar. O grave não é que eles não as coloquem. O grave, no caso, é que ninguém as coloque e ninguém confronte os candidatos com elas. Talvez assim, por uma vez, as verdadeiras questões europeias fossem discutidas de uma forma séria numa campanha eleitoral – que é coisa que nunca aconteceu nos tempos mais recentes e que, tudo o indica, continuará por acontecer na campanha que eleitoral que atravessamos. Tenhamos a esperança que, um dia, estes temas sejam objeto de uma discussão séria numa campanha eleitoral. Mais tarde ou mais cedo a realidade acabará por se impor e os nossos candidatos e as lideranças política de turno não poderão, sempre, esquivar-se a elas.