Vem este artigo a propósito da proposta da Iniciativa Liberal de introduzir a proporcionalidade no IRS, isto é, aplicar uma taxa de 15% sobre os rendimentos sujeitos a IRS, independentemente dos rendimentos de cada um.
Tenho dúvidas sobre a constitucionalidade de tal proposta, embora tenda a concordar com ela. Por isso o título não é intencionalmente proporcionalidade versus progressividade, mas ser proporcionalidade e progressividade quando isso o reclama.
Explicando melhor: o que se deveria propor, como alguns países europeus já fazem, caso da Irlanda, é fixar duas taxas em função do rendimento de cada contribuinte. Para os pobres, a taxa proporcional de 15%, aceitando os números defendidos pela Iniciativa Liberal. Para os “ricos”, leia-se classe média, introduzir o elemento da progressividade, aplicando-se para os rendimentos do trabalho uma taxa de 20%, a mesma que pagam os residentes não habituais (normalmente estrangeiros), e manter as taxas liberatórias sobre rendimentos de capital.
Assim, os pobres têm maior capacidade de consumir e com isso aumenta a carga fiscal do IVA, e os “ricos”, que paradoxalmente trabalham metade do ano para pagar impostos, podem consumir, poupar e investir, criando riqueza que será tributada em sede de IRS e IRC.
Os ricos que não trabalham e auferem rendimentos de capital (dividendos, juros, royalties e mais-valias) continuariam a pagar os 28% a título de uma taxa liberatória a criar para este tipo de rendimentos.
O efeito perverso da carga fiscal excessiva dos impostos deixava de existir. O incentivo à evasão fiscal desapareceria e estou profundamente convicto que a classe média, os ditos ricos, passariam a investir mais e portanto a pagar mais impostos sobre rendimentos de capital.
Os muito ricos passariam a investir mais em Portugal. O capital não conhece fronteiras e não tenhamos qualquer dúvida que estes já investem em países com tributação mais reduzida e se houvesse um incentivo fiscal investiriam em Portugal, criando riqueza e gerando mais impostos.
Os dois mil milhões que se deixariam de cobrar em muito seriam compensados com a receita fiscal em IVA (com o incremento de consumo induzido pela poupança fiscal) e em IRS (com o desincentivo à evasão fiscal e com a atracção e retenção de capital estrangeiro).
Lembro-me bem de uma funcionária minha recusar um aumento de salário alegando que assim passaria de escalão e passaria a ganhar menos em termos líquidos. E também me lembro de pensar que só no dia 1 de julho é que passava a receber dinheiro pelo meu trabalho.
E os benefícios sociais da classe média trabalhadora, os ricos “fiscais”, são escassos ou pouco visíveis.
A corrupção de um ex-primeiro-ministro, o branqueamento de capitais e a evasão fiscal, o sistema de justiça em cheque pela corrupção de juízes de um tribunal superior, a administração pública com fracos padrões de qualidade, as rotundas, as PPP, as ajudas ao sistema bancário, o recurso aos seguros de saúde pela fraca qualidade do SNS, a escolha pela escola privada por desconfiança na escola pública, tudo leva a que se perca a crença na boa aplicação dos nossos impostos.
A despesa pública corrente primária do Estado com salários de funcionários públicos ascende a 9,6 milhões de euros por ano. Tenho para mim que se deveria atacar esta despesa. Numa empresa bem gerida consegue-se reduzir, numa reestruturação induzida pela revolução digital poupanças salariais na ordem dos 10%/20%. No Estado, esta poupança deveria mais além. Só em motoristas, secretárias, pessoal administrativo redundante conseguia-se uma poupança considerável.
Só para dar um exemplo: em qualquer empresa moderna, ninguém tem motorista ou até, com as escandalosas tributações autónomas, poucos quadros têm carro da empresa. No outro dia estava a almoçar num restaurante e vejo sair um juiz muito conhecido, da primeira instância, e a entrar num carro topo de gama, para o banco de trás, com motorista! E isto multiplica-se pela administração pública central e autárquica…
Por tudo isto, defendo um sistema misto de tributação em sede de IRS: proporcionalidade com traços de progressividade. Vamos acabar com os pobres e aumentar os ricos (leia-se a classe média trabalhadora).