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Proprietários criticam pacote ‘Mais Habitação’ e querem intervenção dos tribunais

As associações de proprietários, a CPP e a ALP, apontam que o programa de alterações legislativas à habitação pode promover a simplificação dos processos de inventário das heranças indivisas, que são uma das causas para que haja tantos imóveis devolutos. Ambas respoderam à consulta pública do “Mais Habitação”.
13 Março 2023, 18h21

A Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) submeteu esta segunda-feira, em seu nome e da Confederação Portuguesa de Proprietários (CPP), à qual preside, o seu contributo às duas consultas públicas paralelas que decorrem sobre o pacote “Mais Habitação” do Governo.

“Apesar do curtíssimo prazo disponível, os proprietários de imóveis não poderiam deixar de enviar o seu contributo, e fizeram-no o mais exaustiva e detalhadamente possível, revelando o seu profundo conhecimento do mercado”, dizem as instituições em comunicado.

No documento submetido à consulta pública apontam-se críticas e omissões, mas, também, propostas e caminhos alternativo, referem.

No que diz respeito à polémica figura do arrendamento coercivo, os proprietários defendem que o Governo deve recuar na proposta jurídica, que “não tem cabimento constitucional ou viabilidade operacional”.

“A ALP e a CPP advertem que aconselharão todos os proprietários a contestar nos tribunais e até nas instâncias internacionais qualquer tentativa de arrendamento forçado e, por outro lado, ambas as associações vão unir esforços em vários planos — político e jurídico, na esfera nacional e internacional — para demonstrar e denunciar a inconstitucionalidade desta medida”, avisam as associações de proprietários.

A CPP e a ALP propõem que o Estado — em estreita articulação com a administração local e o chamado “terceiro sector”, dono de vasto património abandonado — “concentre os seus esforços na criação de uma task force multidisciplinar que apresente o mais rapidamente possível uma listagem e mapeamento do património devoluto conjunto do Estado Central, Autarquias e Misericórdias, das tipologias e áreas em causa, do seu estado de conservação (Bom, Médio, Mau, Ruína), e caderno de encargos de obras e respectiva orçamentação para afetação a arrendamento”.

“Este inventário deve ser um dos maiores desígnios do Estado, porque há milhares de imóveis que podem rapidamente ser revertidos para arrendamento, sem beliscar a propriedade privada e colocando o Estado a fazer a função social que lhe compete, sem a atirar em singelo para os privados”, defendem os proprietários.

Paralelamente, a CPP e a ALP apontam também que o “Mais Habitação” pode promover a simplificação dos processos de inventário das heranças indivisas, que são uma das causas para que haja tantos imóveis devolutos.

No que diz respeito à reversão dos processos de transição das rendas antigas, anteriores a 1990, para o NRAU, que pela vontade política do Governo voltarão a ser contratos vinculísticos, eternos, para a CPP e ALP esta é “uma medida inconstitucional, e será combatida nesse plano”.

As associações lembram que o Governo está, na prática, a proteger inquilinos “ricos”, com rendimentos até 4.430 euros mensais, de forma “cega” e que o senhorio pode até ter rendimentos abaixo do mínimo de sobrevivência de IRS.

“Acabar com o congelamento de rendas em 2024, permitir a transição dos contratos para o NRAU, e subsidiar diretamente os inquilinos carenciados pelo Estado é essencial para curar um dos maiores traumas geracionais do mercado português de arrendamento”, defendem as associações de proprietários, que deixam claro que “não pretendem nenhum cêntimo do Estado, apesar de as perdas que os congelamentos de rendas provocaram a milhares de proprietários portugueses serem equivalentes a várias TAPs ou lesados da banca”.

A CPP e a ALP denunciaram ainda no seu contributo em sede de consulta pública “o absurdo e a hipocrisia de que o Estado não irá cumprir os mesmos critérios nos apoios sociais que obriga os senhorios com rendas congeladas a suportar há mais de uma década nos apoios que pretende conceder aos agregados com dificuldades no âmbito dos apoios que integram as medidas do “Mais Habitação””.

A ALP submeteu no documento exemplos concretos do seu universo de associados que demonstram a disfuncionalidade gritante que o congelamento cria e vai continuar a criar durante décadas a fio no mercado de arrendamento. “Com a agravante de que agora há um terceiro mercado, o do arrendamento acessível, o que transforma o arrendamento numa bizarria. A conclusão é simples, quem vai pagar a fatura vão continuar a ser os jovens”, constatam.

Já no que diz respeito à “obsessão do controlo de rendas e a fixação de um teto máximo de dois por cento à actualização de rendas, a CPP e a ALP defendem que tal medida é um ato leviano que vai retirar casas do mercado de arrendamento”.

As estruturas que representam os interesses dos proprietários lamentam que “o Governo esteja sempre a tomar decisões baseado em sondagens e não em factos”.

“Portugal não é Lisboa e a renda mensal média no nosso país não é especulativa, são pouco mais de 300 euros e, de acordo com os Censos, mais de 60% dos portugueses não têm encargos com habitação”, concluem.

A CPP e ALP lamentam ainda “que a obsessão recaia sempre sobre o arrendamento e nunca sobre a banca, que já mais do que duplicou os valores das prestações mensais da habitação, ou por exemplo na grande distribuição com a fixação dos preços de bens de primeira necessidade”.

As estruturas associativas de proprietários traçam um paralelo com o congelamento das rendas “no ataque que o Governo faz aos proprietários do segmento ao alojamento local”.

Para a CPP e ALP, está a nascer uma nova geração de lesados do Estado, porque haverá “milhares de pequenos proprietários que investiram no alojamento local, adquirindo e reabilitando imóveis que agora perderão uma parte significativa do seu valor e rentabilidade”.

“A ALP e a CPP denunciam também a gritante injustiça de o Governo não retirar licenças de AL aos imóveis que têm hipoteca, mas aos proprietários individuais sim, protegendo mais uma vez os bancos”, avançam.

“Por fim, a ‘cenoura’” com que se acena aos detentores de licenças de alojamento local, isentando-os de IRS até 2030 se passarem os seus imóveis para o arrendamento tradicional, como ‘compensação’ pelas restantes arbitrariedades, seja qual for a renda praticada, não deixará de ser entendida como uma injustiça pela generalidade dos proprietários que sempre arrendaram as suas casas, e que ficam sujeitos a limites nos aumentos e a uma carga fiscal superior (ainda que agora felizmente reduzida)”.

No capítulo da sobrelotação, CPP e a ALP “reputam de inconstitucional a pretensão de atribuir aos proprietários/senhorios a responsabilidade de actos praticados pelos seus inquilinos, e alertam que a medida vai funcionar como mais uma arbitrariedade que retirará casas do mercado, pois ninguém quererá ser responsabilizado por situações que escapam ao seu controlo”.

Já no que concerne ao Novo Regime do Balcão do Arrendamento, CPP e ALP “manifestam a sua indignação pública pelas palavras do primeiro-ministro ao afirmar que o incumprimento do pagamento de rendas era um fenómeno marginal” e dizem que “o incumprimento é um flagelo, tal como os actos de vandalismo e o assédio dos arrendatários aos senhorios”

A CPP e a ALP alertam ainda “que o pagamento pelo Estado das rendas pode configurar um estímulo ao incumprimento do arrendatário, criando mais uma variável de mais desequilíbrio num mercado já muito massacrado”.

Nas medidas que envolvem a fiscalidade do imobiliário, a leitura da CPP e ALP é conservadora nas medidas inscritas no Programa “Mais Habitação”. Pois consideram que o estímulo dos benefícios fiscais concedidos aos contratos de média e longa duração, que é significativa, “não se consegue sobrepor à confiança dos proprietários arrasada e ao terrorismo das medidas anunciadas”.

“Muito pouco foi feito pelo Governo para tornar o Programa de Arrendamento Acessível (PAA)  atrativo a nível fiscal neste pacote de medidas”, dizem a CPP e a ALP.

Já nas isenções de IMI a conceder aos senhorios, defendem que “estas deveriam ser alargadas para todos os proprietários e durante 5 anos. Há muito pouca ambição num programa que precisava de uma revolução e não de uma mudança de nome”.

“Na óptica do arrendatário mantém uma chocante versão paternalista da sociedade, em que num casal há uma pessoa que ganha menos/ não trabalha, que é inadmissível e deve ser alterada”, criticam.

“A CPP e a ALP defendem outras medidas simbólicas de estímulo, como a isenção nos próximos três anos do pagamento do imposto de selo nos novos contratos de arrendamento; e a introdução de um conjunto de benefícios fiscais há muito solicitados à Tutela e Finanças pelas associações de proprietários”, referem.

Pedem ainda a extinção imediata do AIMI é absolutamente imprescindível para os proprietários de imóveis. “Trata-se de um imposto ideológico que só incide sobre a habitação”, apontam.

A CPP e a ALP terminam a consulta pública “a colocar uma outra questão não menos importante, relativa à operacionalização no terreno dos investimentos em habitação amplamente anunciados do PRR que necessitarão de um grande número de mão de obra imigrante, devido à escassez no sector da construção civil em Portugal”.

“Aqui se coloca a questão, por exemplo na cidade de Lisboa, onde habitarão estes imigrantes que construirão estas casas para os portugueses, durante este período que é longo, e como será feita pelo Governo a sua integração e garantidos os seus direitos, evitando atropelos aos mais elementares direitos humanos, como infelizmente já tivemos alguns exemplos no nosso país?”, questionam dizendo que “também na integração dos migrantes o Mais Habitação é omisso, apesar de o país estar a receber vagas de imigrantes devido ao conflito na Ucrânia e de outras geografias afetadas por guerras ou catástrofes naturais”.

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