No mês passado, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) anunciou um concurso de quatro milhões de euros para zonas de caça, invocando argumentos que, para bem da transparência, importa ver esclarecidos e, mais importante ainda, desconstruídos.

Um investimento dado ao setor que mais contribui para o declínio das espécies e para o desequilíbrio dos ecossistemas, ao invés de ser canalizado para a gestão florestal e proteção da biodiversidade.

Para justificar tal investimento diz o ICNF que “a caça é uma ferramenta de gestão da vida selvagem, equilibrando populações excedentárias que causam desequilíbrios ecológicos, biológicos, prejuízos na atividade agrícola e ou florestal podendo ainda por em causa a saúde pública”. Uma afirmação em contraciclo com o que diz a evidência científica: que a caça não é sustentável, é um risco para a fauna e é um entrave à conservação de espécies, contribuindo para o seu declínio. E o caso da rola-comum é o mais recente exemplo da falácia do argumento de que a caça contribui para a conservação de espécies.

O ser humano tem-se arrogado ao direito de intervir e “controlar” as demais espécies, leia-se, abate! Na verdade, a atividade humana tem provocado enormes desequilíbrios, quer ambientais, quer na preservação da biodiversidade, que em última instância colocam em risco a nossa própria sobrevivência. A gestão das espécies selvagens deve ter em conta a promoção do equilíbrio de todo o ecossistema e o papel que cada uma delas tem para um planeta vivo.

Por outro lado, não nos podemos esquecer dos impactos da caça no ambiente, nomeadamente as mais de mil toneladas de chumbo que os caçadores depositam na natureza todos os anos em Portugal, contaminando os solos e os recursos aquíferos.

Mas tal não só não é tido em conta pelo ICNF, como ainda dizem que “o ordenamento cinegético e a inerente gestão da matéria combustível nesses espaços contribui decisivamente para a diminuição do risco da ocorrência de incêndios rurais”. Todos os anos o país é fustigado pelos incêndios de forma trágica e a resposta que o Estado e as suas instituições têm a dar em matéria de prevenção dos incêndios rurais é a caça?

Nem o ICNF nem o Governo podem continuar a demitir-se de fazer o trabalho que lhes compete. O país precisa que se invista em políticas sérias de gestão florestal, de valorização do conhecimento científico, nos recursos humanos, como os vigilantes da natureza, na conservação e regeneração do território, na promoção da biodiversidade e nos centros de recuperação de fauna selvagem, ao invés de continuar a investir em setores do século passado que nada acrescentam à nossa sociedade e menos ainda à preservação das florestas e da biodiversidade.