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Providência cautelar aponta falta de idoneidade e conflito de interesses para travar Centeno no Banco de Portugal

“Uma porta giratória direta da posição de ministro das Finanças para governador do Banco de Portugal cria uma magnitude tal de potencial de situações de ‘conflito de interesses’ que a idoneidade está sempre e necessariamente em causa”, lê-se na providência cautelar requerida pela Iniciativa Liberal e pelo seu presidente, João Cotrim Figueiredo.
  • Mário Cruz/Lusa
10 Julho 2020, 00h56

A providência cautelar apresentada no Supremo Tribunal Administrativo pela Iniciativa Liberal e pelo seu presidente, João Cotrim Figueiredo, aponta falta idoneidade e conflito de interesses para requerer que o Conselho de Ministros seja intimado a abster-se de nomear Mário Centeno governador do Banco de Portugal, mantendo-se a inibição até ficar esclarecido se a escolha do ex-ministro das Finanças é legal ou até que ocorram alterações legislativas “que permitam ou impeçam expressamente essa nomeação”. Algo que implicará que a votação na especialidade do projeto-lei do PAN que estipula cinco anos de incompatibilidade no banco central a quem tenha exercido funções governativas na área das Finanças.

Mas mesmo que o pedido de decretamento provisório da providência seja indeferido ou que não seja possível a sua apreciação em tempo útil pelos juizes conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, os requerentes pedem ainda a suspensão do ato de nomeação de Mário Centeno caso entretanto venha a ocorrer.

Segundo a providência cautelar contra o Conselho de Ministros e tendo como contra-interessado Mário Centeno, à qual o Jornal Económico teve acesso, a Iniciativa Liberal e João Cotrim Figueiredo argumentam que a nomeação de Centeno para suceder a Carlos Costa é contrária à lei, pois não cumpre objetivamente o critério de “comprovada idoneidade” exigido na Lei Orgânica do Banco de Portugal.

“A ‘idoneidade’ pode e deve ser analisada de forma objetiva, não sendo a avaliação da mesma um juízo ou caracterização morais do ‘candidato’ a governador. Com a ‘idoneidade’ pretende-se verificar se, independentemente das capacidades e conhecimentos técnicos, o ‘candidato’ pode desenvolver a sua ação livre de constrangimentos e com a correta perceção e aceitação dessa mesma ação por parte dos seus destinatários e do público em geral”, lê-se no documento, sublinhando os requerentes que tal critério “visa garantir que nenhum membro do conselho de administração do Banco de Portugal se coloca numa situação em que, mesmo por vias informais, pode haver tentações ou constrangimentos para solicitar ou receber instruções de outros intervenientes”.

Quanto ao conceito de ‘conflito de interesses’ também previsto na Lei Orgânica do Banco de Portugal, enquanto “situação na qual os membros do Conselho tenham interesses privados ou pessoais que possam influenciar, ou aparentem influenciar, o desempenho imparcial, isento e independente das respetivas funções”, a providência cautelar apresentada pela Iniciativa Liberal e pelo seu presidente defender que, sendo nomeado governador, Mário Centeno “estará irremediavelmente confrontado no dia-a-dia com múltiplas situações em que terá de invocar ou ponderar conflitos de interesses”. Algo que o forçará a escolher entre tomar decisões e praticar atos mesmo perante um risco de avaliação, pereceção e receção negativa dos mesmos, “pondo assim em causa a sua independência de ação e do próprio Banco de Portugal”, ou então declarar-se impedido de aturar ou decidir, “pondo assim em causa a sua eficácia de ação e do próprio Banco de Portugal”.

“Uma porta giratória direta da posição de ministro das Finanças para governador do Banco de Portugal cria uma magnitude tal de potencial de situações de ‘conflito de interesses’ que a idoneidade está sempre e necessariamente em causa, independentemente das qualidades pessoais do ‘candidato'”, lê-se na providência cautelar, cuja interposição foi anunciada por João Cotrim Figueiredo durante a audição do ex-ministro das Finanças na Comissão de Orçamento e Finanças.

Tratando-se de Centeno, é considerado que “a evidência desses efeitos sobre a idoneidade é ainda mais gritante”, pois se for governador terá como o interlocutor no Ministério das Finanças “alguém do seu círculo e que estava na sua linha de reporte direta até há pouco” – o ex-secretário de Estado do Orçamento, João Leão, que lhe sucedeu enquanto ministro -, “será confrontado com as suas próprias decisões e atos enquanto ministro das Finanças” e “responderá perante uma Comissão de Auditoria integralmente nomeada sob a sua égide”.

“Pensamos não ser possível um exemplo mais claro de governamentalização do que a saída direta de um ministro das Finanças para governador do Banco de Portugal, ainda para mais seguindo-se a indicação de alguém que era, dias antes, secretário de Estado do indicado; e sendo-se designado por um Conselho de Ministros integrado por pessoas que, dias antes, eram seus colegas de Governo”, escrevem os requerentes, considerando ser “patente a violação do ‘espírito da lei’ neste caso”.

Governo acusado de “flagrante violação do principio de boa-fé administrativa”

Além disso, a Iniciativa Liberal e Cotrim Figueiredo apontam “flagrante violação do princípio de boa-fé administrativa”, na medida em que o Governo tem pleno conhecimento de que está em curso um processo legislativo, já aprovado na generalidade, que altera as condições para a nomeação do governador do banco central. Sublinha-se que teve início quando Mário Centeno era ministro das Finanças, “num contexto em que o seu nome não poderia nunca ser considerado” para suceder a Carlos Costa.

Os requerentes apontam “uma evidente aceleração” da pretensão do Executivo de colocar o titular da pasta das Finanças no banco central, “que se tornou certa e manifesta com a demissão inusitada” de Mário Centeno, “parecendo então que o Governo quer ‘ultrapassar’ quaisquer medidas legislativas e impor a sua escolha antes que estas surtam efeito”, o que sucederia em caso da aprovação em especialidade do projeto-lei na Comissão de Orçamento e Finanças.

“Poderá estar em causa uma tentativa de ‘defraudar’ o poder legislativo, violando-se também, dessa forma, princípios constitucionais de separação e interdependência de poderes”, defendem os requerentes, pedindo que a providência seja decretada pelos juízes conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo.

Por fim, argumentando que o atual governador do Banco de Portugal e o resto da sua equipa manter-se-ão em funções enquanto não forem substituídos, João Cotrim Figueiredo e a Iniciativa Liberal consideram verificados os pressupostos legais para o decretamento provisório da intimação, na medida em que “parece evidente” que o Conselho de Ministros “se prepara para dentro de poucos dias praticar um ato que os requerentes reputam de ilegal. Até porque a nomeação de Mário Centeno “acarreta perigos e danos irresolúveis”, pois uma vez que o ex-ministro das Finanças se torne governador do Banco de Portugal “beneficia de privilégios que visam assegurar a sua independência, nomeadamente a manutenção e inamovibilidade no cargo, não podendo, por princípio, ser exonerado”.

 

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