Este, um artigo, um tanto fora da caixa, pois não tenho por hábito entrar nas guerras e guerrinhas, entre políticos e partidos. No debate de ideias sobre políticas económicas e sociais, tendo em vista maior desenvolvimento e uma distribuição mais equilibrada da riqueza criada, procuro estar presente.

Belém fecha com ganhos e dor

1. No período negocial alongado, era difícil perceber se o PS e o PSD queriam ou não eleições, embora o cenário de eleições, pela não aprovação do OE2025, fosse um “produto político” de péssima qualidade para o País, da cozinha de Belém. Razão para dizer, com tão bons pastéis ao lado, Belém aprendeu pouco! Sei que os pastéis de Belém têm de se haver com a concorrência dos de nata da Aloma em grande forma, no cimo do pedestal.  Pelo contrário, a cozinha de Belém não concorre com ninguém e, conclusão, em todas as frentes, só maus cozinhados.

Belém militou insistentemente pela aprovação do OE2025. Em toda a parte, lá estava o OE. Toda a gente entendia os desejos dessa militância: deixar os seus em postos queridos e tudo indica que, por ínvios caminhos, possa lá chegar – um presidente, um governo e, assim, varrer da história a candidatura de Belém a fabricante de “produtos dissolventes” de alta toxicidade.

Este folhetim diário de crises políticas, caso o OE25 não vingasse, iniciou-se com a ameaça de dissolução da AR, no discurso de posse de Marcelo a António Costa, caso este trocasse o Governo por um cargo europeu.

Costa chegou aí pelo seu próprio pé, não refém de Belém que sente o sucesso com dor, porque, para toda a gente ficou claro, que, em nada, interveio e, ainda, na obrigação de inverter a linguagem, para cargo “altamente prestigiante para o País”. Este “cozinhado”, com habilidades que também as houve, mas de outro nível, passou muito ao largo de Belém.

Marcelo Rebelo de Sousa, desde quinta-feira, deve andar a dormir melhor com a viabilização anunciada do OE25 por Pedro Nuno Santos e, na sexta, de certeza, regalou-se com as manchas cor-de-rosa das primeiras páginas de alguns matutinos.

As negociações Governo-PS

2. Nos dois artigos anteriores, falou-se das filosofias subjacentes ao IRS jovem e ao IRC, as duas “linhas vermelhas” do PS.

A situação do IRS jovem foi bem simples. O Governo desenvencilhou-se rapidamente, até porque estava ansioso de o fazer. Tantas as críticas que, de todo o lado, choviam, o melhor era encontrar uma saída airosa. E aproveitou a boleia do PS, bem a usando com habilidade, admitindo mesmo que, com as suas achegas, o modelo do IRS jovem ficava bem melhor. Ficou bem na fotografia ao dizê-lo e, com isso, marcou pontos. Já agora anote-se que se viu um PS um pouco descompensado e inábil na recolha dos dividendos.

No entanto, sobre o IRS jovem convém anotar a ausência de reflexão em vários domínios. Vejamos o futebol, que já beneficia de fiscalidade específica vantajosa, será abrangido por este pacote? Gyokeres é, assim, o jovem na berlinda pois, caso continue em Portugal por algum tempo, vai pagar menos imposto, mas muitos outros jogadores, os craques da selecção e dos clubes serão contemplados, pois quase todos estão nesta faixa etária (menos Cristiano Ronaldo) e, certamente, mesmo os que jogam no estrangeiro pagam algum IRS em Portugal.

A propósito do IRS jovem a minha atenção vai para o artigo do Público (14/04/2024) “o pensamento mágico sobre o IRS Jovem” do economista e Professor Ricardo Pais Mamede, cuja frase a lançar o artigo é uma ideia síntese do melhor: o problema do IRS Jovem não é apenas ser ineficaz nos objectivos que propõe atingir. São também os elevados custos que acarreta.

Quanto ao IRC, o PS não o soube agarrar como instrumento para robustecer as empresas. Não soube separar, de forma clara, os dois campos: o da taxa normal sobre os lucros que as empresas devem pagar, neste momento, 21% e o outro campo, as taxas a incidir na aplicação de lucros em investimentos, que potenciem a melhoria do tecido económico. O PS confundiu-se e acabou por assumir uma posição nada clara.  Com efeito, ao admitir a hipótese de descida de um ponto percentual (21% para 20%), nega algo que dizia não aceitar, a descida transversal, por equivaler a libertar lucros indiscriminadamente para dividendos. Deu de bandeja ao seu interlocutor o comando do jogo, torpedeando a sua própria filosofia.

Outra coisa teria sido, abrir caminho para negociar a taxa normal sobre os lucros porque, na realidade, com as taxas e taxinhas autónomas que incidem sobre os 21%, para muitas empresas fica, na realidade, uma taxa pesada e as empresas têm toda a razão ao criticar a sobrecarga.

Tudo confuso e o governo, na versão final do Orçamento, ainda acrescenta mais um toque, deixando o PS sem rede. O PS alega que não houve acordo, mas socialmente ficou o registo de que não soube acrescentar argumentos convincentes.

Pedro Nuno Santos define-se

3. A posição do PS é, desde quinta-feira, a viabilização do OE25 pela abstenção. A confusão e a desilusão entre muitos dos seus apoiantes devem ter disparado.  Pedro Nuno Santos que se saiu mal das negociações, volta a não se sair bem agora com os dois argumentos avançados, já muito gastos (eleições há sete meses e potenciais eleições sem clarificação do xadrez político).  Sai deste processo com a imagem de quem sucumbiu em toda a linha: cedência a dirigentes do PS, defensores da abstenção, ficando estes fortalecidos, a comentadores, à direita, ao Presidente.

4. O PS entrou mal nas negociações ao colocar apenas estas duas linhas vermelhas e não também o plano macro onde se sabia que o governo iria desdizer tudo quanto disse na campanha eleitoral, como aconteceu. Essa foi a rede que faltou para sustentar uma posição final mais robusta. Segundo, era de prever que o Orçamento tivesse uma componente fortemente eleitoral para o que desse e viesse. Esta leitura do ambiente político deveria ter sido também tomada em conta no padrão negocial com o governo. Nada contra as negociações. Pena os motores não andarem aquecidos ao mesmo nível.

5. Pedro Nuno Santos por tudo isto deve sentir-se mal acomodado na sua decisão. Era legítima qualquer uma das opções: deixar passar ou o chumbo. O problema reside na fundamentação e ziguezagues ao longo do processo. Do quase impossível até aqui. A sua credibilidade ficou manchada e a sensação de que vem aí uma via-sacra dolorosa, um período longo de afastamento do poder, se alguma vez lá chegar.

O governo de Montenegro reúne condições para uma “governação” equilibrada, por algum tempo, embora com equipa ministerial fraca, sobretudo em ministérios-chave, aliás, a grande pecha de A. Costa que muito contribuiu para a sua queda.

Teme-se um deslize orçamental, apesar do elevado nível de cativações previsto no OE2025, muito acima dos valores do ano anterior. O país não ficará indiferente a todo este processo. Dividido ficou e mal informado continua, porque a discussão não entrou no fundo dos problemas. Aguardemos debate e conclusões na especialidade.