“As eleições ganham-se ao centro” – a frase antiga de António Vitorino parece ter sido a tese política que resultou do Congresso do PS do mês passado, apesar do que estava escrito na moção mais votada pelos militantes.

Agindo em conformidade com esse mantra, António Costa e o seu governo têm demonstrado uma enorme animosidade para com os partidos à sua esquerda e tomado decisões que aumentam o conflito social. No entanto, as sondagens demonstram que esta estratégia lhes está a fazer perder pontos nas intenções de voto, tornando a maioria absoluta cada vez mais uma miragem.

Nas últimas semanas António Costa tem feito um conjunto de escolhas que denunciam uma estratégia.

Escolheu o choque frontal com os professores, preferindo uma posição radical de não negociação sobre a contagem do tempo de serviço. Escolheu a assinatura com os patrões e UGT de um acordo sobre legislação laboral que é um ‘frankenstein’ porque tem medidas contra a precariedade trabalhadas durante dois anos com o Bloco de Esquerda e medidas que aumentam a precariedade incluídas à última hora por pressão dos patrões, sem ouvir o próprio grupo parlamentar.

Escolheu Maria de Belém para criar à pressa uma Lei de Bases da Saúde para minar o sucesso da Lei de Bases da Saúde escrita pelo histórico socialista António Arnaut e por João Semedo. Escolheu autorizar um furo de petróleo em Aljezur sem o obrigatório estudo de impacto ambiental. Escolheu aceitar boicotes dos seus dirigentes ao programa de regularização dos precários do Estado.

Estas escolhas são parte da estratégia de ganhar o centro, criando conflitos com os partidos à esquerda e com os setores e reivindicações populares. Não está a funcionar.

Na passada quinta-feira João Galamba ensaiou a tese de que o conflito estaria a ser criado pelos partidos à esquerda. A tese não colhe, primeiro porque é o PS que está a procurar o PSD para os “acordos de regime”; segundo porque o conflito com os professores, com os sindicatos ou a tentativa de boicote à lei Arnaut da Saúde foram iniciativas do PS.

Finalmente, é bom recordar que o próprio João Galamba foi destituído de porta-voz oficial do PS por manter a defesa do acordo à esquerda. Para ganhar o centro, o PS calou a sua esquerda e Galamba foi disso vítima.

O que é curioso é que Rui Rio alinha com António Costa e também está apostado em ganhar o centro. Por isso, critica o Governo sem nunca atacar o primeiro-ministro e não apresenta uma alternativa clara do PSD. Os resultados estão a ser trágicos, porque num momento em que o PS cai nas sondagens, o PSD não consegue capitalizar e Rio vê aumentar o número de críticos do próprio partido engrossar.

Cristas, por seu lado, apostou em ganhar a direita e roubar votos ao PSD, mas colou-se à líder do CDS o título de responsável por duas péssimas leis, a do arrendamento e a do eucalipto, associando-a aos despejos e aos incêndios florestais. Também Cristas tem descido nas intenções de voto.

A estratégia de “ganhar o centro” é, assim, um projeto falido do ponto de vista político e eleitoral, primeiro porque não cria alternativas e confiança, e depois porque a ideia tem na génese a crença de que o voto útil será grande nas próximas eleições, algo que não se antevê tendo em conta uma direita política que não cresce.

António Costa, ao escolher ganhar o centro, abre espaço à esquerda, não tanto por, desde o congresso, ter optado por políticas que fragilizam o trabalho e o Estado social, mas porque a perceção popular é de que à esquerda do PS se encontram partidos de confiança. Talvez António Costa ainda não tenha percebido, mas este caminho de abertura de conflito com a esquerda é o que melhor serve o crescimento do Bloco de Esquerda e do PCP.

A confiança de que à esquerda se defende a Escola Pública, o Serviço Nacional de Saúde, as pensões, o direito ao trabalho e a sustentabilidade ambiental, é capital acumulado que hoje vale muito mais do que qualquer estratégia eleitoral que cria categorias arbitrárias e deterministas como o “centro” político.