O país político anda numa polvorosa porque PSD e PS chegaram a acordo sobre a descentralização e o destino dos fundos comunitários. A chegada a acordo nestas áreas, e não noutras, não é inocente quando os dois partidos detêm a maioria das autarquias. Decidir que competências serão transferidas para o poder local e determinar onde aplicar os fundos da UE não é um consenso alargado, como refere Marcelo, mas uma habilidade para distribuir influências. A possibilidade da regionalização, sem descentralização fiscal, é mais um ponto a dar corpo a esta conclusão.

PCP e BE têm feito um enorme alarido com a pretensa aproximação entre PS e PSD, não só porque ficam sem uma palavra a dizer sobre matérias tão importantes num país que vive de subsídios e de cargos no Estado, mas também porque precisam de mostrar ao seu eleitorado que não estão debaixo da alçada dos socialistas. Ou seja, enquanto Costa e Rio sossegam os espíritos de boa parte dos militantes dos respectivos partidos (daqueles que o são não para fazer política mas aceder a lugares), PCP e BE recuperam o seu espaço de indignação política que os caracteriza. De estranhar apenas o silêncio do CDS que fica arredado deste esquema, algo complicado quando a maioria dos votos se compra com empregos e dinheiro.

O segredo à volta dos referidos acordos também não é uma novidade nesta legislatura. Costa fez o mesmo quando, à porta fechada, fechou os pactos de entendimento entre o PS e o PCP, e entre o PS e o BE. O segredo costuma ser indispensável quando uma governação, se esmiuçada, não passar de fogo-de-vista.

Após ter feito o que podia para dar perspectivas de futuro a boa parte dos militantes do seu partido, Rio poderá agora contar com a paz política interna que precisa para fazer a sua oposição. Mais acordos ditos de regime, ou um eventual apoio do PSD ao Governo do PS, já será mais difícil. Na verdade, seria um fenómeno estranho assistirmos a um partido com 89 deputados votar a favor de um governo doutro partido que só conta com 86 deputados. Uma incongruência difícil de explicar, mesmo no âmbito de um modelo constitucional que permite soluções tão amplas como a que Costa engendrou.

Há quem assegure que Rio se prepara para ser o número dois de Costa numa renovação do Bloco Central para a próxima legislatura. No entanto, da mesma maneira que é difícil compreender como é que um partido que ganhou eleições suporta no Parlamento quem as perdeu, é legítimo perguntar como resistirá Rio na liderança do PSD caso perca as eleições. Se Passos, que as venceu, foi contestado, como será com Rio se perder? O PSD até se pode calar em troca de fundos nas autarquias e acesso aos fundos comunitários; já no que a uma derrota eleitoral diz respeito, a história de Rui Rio será outra.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.