As semanas que antecedem o Natal são de grande euforia, de gastos habitualmente excessivos e de permanente angústia para encontrar um presente para as dezenas de pessoas que pensamos que merecem ser gratificadas. Eu vivo a fase da angústia: o que posso comprar para os meus cinco sobrinhas/os?

Quando procurei respostas nos canais televisivos infantis que elas/es costumam ver – do Disney Channel ao Panda –, percebi a chocante normalização de desigualdades de género que se verifica: a publicidade de Natal distingue claramente a menina (rosa) doce, frágil, emotiva e protetora e o menino (azul) determinado, viril, guerreiro e líder. Mas porque é que a publicidade continua a representar este fosso entre géneros e a não promover a igualdade e a diversidade?

Não sei se a causa desta perspetiva enviesada das crianças e seus gostos de lazer parte das marcas, que querem manter esta divisão por estratégias de venda, ou das produtoras de publicidade televisiva para crianças, que sustentam a sua ação na esteira conservadora da divisão dos papéis de género.

O que é facto é que este tipo de publicidade é disseminadora efetiva de estereótipos com base nos chamados padrões tradicionais: a menina que sonha, é o exemplo de bom comportamento, que se mostra feliz com bonequinhas que fazem compras, têm filhos, carrinhos de bebé e de compras, que vestem rosa ou, no máximo, branco ou amarelo esbatido; o menino que protege a menina, que luta com corpo muito musculado e que derruba todos os males que lhe possam fazer frente ou que se diverte em jogos que envolvem outros meninos. Portanto: meninos e meninas que mantêm a diversidade de géneros, de raças e de estatuto social muito esbatida.

Ora, se sabemos que estes canais e estes anúncios são profusamente consumidos por uma grande quantidade de crianças em Portugal, ao ponto de levarem mães e pais a estados de pré-senilidade pelos pedidos incontáveis de prendas de Natal, como podemos continuar a aceitar que esta desigualdade seja imposta a crianças que estão a construir a sua personalidade e a sua leitura do mundo? Talvez porque também nós, académicas/os da área da comunicação, nos esquecemos de questionar efetivamente esta representação naturalizada das desigualdades de género a partir da infância.

Ao observar estes anúncios consegui lembrar-me de uma voz do executivo de Bolsonaro que veiculava a mensagem tão ignorante quanto perigosa – porque normalizada – “o menino veste azul e a menina veste rosa”.

Paradoxalmente, a publicidade, que tanto procura a novidade e que vive de criatividade, aparenta muitas vezes ser um domínio de inalterável conservadorismo, principalmente quando se trata de público infantil. Por isso, e por respeito a este público, vale a pena pensar que as meninas nem sempre gostam de bonecas que bebem leite e fazem “cocó” e “xixi”, nem sempre querem ser princesas elegantes protegidas por um príncipe, e nem todos os meninos querem – ou precisam – ser super-heróis, donos da força e pilotos de alta velocidade.

Mais ainda: há crianças que não se identificam com qualquer género e para quem, ao não se lhes dar representação mediática, se perpetua um lugar de pária e uma infrutífera e eterna procura de identificação.

Assim, se a publicidade – muitas vezes – se nega a travar este caminho da desigualdade, o processo deve passar por dois âmbitos fundamentais para as pessoas de faixas etárias não adultas: as famílias e as escolas. As primeiras porque são o exemplo primeiro para as crianças e a voz da verdade primordial; e as segundas porque são espaços de crescimento, conhecimento e questionamento. Vamos estar mais atentas/os e ter um Natal com muitas cores. As do arco-íris chegam. Mas todas elas.