Qantas, fundada em 1920, é a segunda companhia aérea mais antiga do mundo ainda a operar. Apesar de ser a “companhia de bandeira” australiana, é uma empresa privada. E não só privada, mas até public, no sentido positivo (e anglo) do termo: qualquer cidadão que queira pode adquirir uma participação no seu capital, grande ou pequena, porque a empresa é cotada em bolsa. Está, literalmente, aberta ao público, seja como consumidor, seja como investidor. E qualquer um, sendo proprietário, pode participar, na medida da sua posição societária, na sua gestão. Em que empresa pública portuguesa temos nós esse direito?

A indústria do transporte aéreo é, notoriamente, uma daquelas em que os gestores podem melhor mostrar o que valem. Richard Branson aconselha, na sua sabedoria, aos bilionários que se querem tornar milionários, a que lancem uma companhia aérea. A sabedoria de Branson é fruto da sua experiência como gestor que, embora rica, é limitada. Melhor mesmo, para esse fim, é lançar uma empresa em Portugal, tendo em conta os apoios do nosso governo às empresas, incluindo a nossa legislação laboral e sistema fiscal.

Assim, não é de estranhar que “the flying kangaroo”, como a empresa é afetuosamente chamada no outro lado do mundo, tenha tido momentos altos e baixos. Um dos momentos mais baixos foi vivido em 2014.

Durante 2012-2013 a empresa tinha aumentado o seu endividamento até ao limite, em consequência de um conjunto de fatores adversos, como subida de custos, incluindo o dos combustíveis, disputas laborais, movimentos cambiais adversos e aumento feroz da competição, muita dela por empresas aéreas estatais tão subsidiadas como uma TAP. Em 2014, a empresa teve um prejuízo de 2,8 mil milhões dólares australianos (cerca de 1,74 milhões de dólares) havia rumores de uma possível suspensão de pagamentos.

Nessa altura, o CEO da empresa, Allan Joyce, veio para os jornais dizer que a intervenção do governo era necessária para salvar a Qantas, uma empresa tão importante, tão estratégica, tão… tudo, para a Austrália. Só lhe faltou referir as externalidades positivas que a empresa criava para o país.

Esquecimento? Não, apenas consciência do ridículo do argumento: o que cria externalidades positivas não é a companhia aérea A ou B operar no país e lhe trazer turistas e businessmen; o que cria externalidades positivas é haver companhias aéreas, sejam elas quais forem, a operar no país e que lhe trazem turistas e businesswomen. Apesar de não cometer esse erro, Mr. Joyce não conseguiu evitar transformar um período baixo num momento de abjeção total para a empresa ao não resistir pedir ao governo federal para garantir publicamente a divida da Qantas.

O pobre homem devia estar a pensar que encontrava em Portugal. Na Austrália as coisas fazem-se de maneira diferente. Foi-lhe explicado que o negócio do governo não é meter-se em negócios, muito menos pagar as dívidas de capitalistas, grandes ou pequenos, salgados ou berardos.

E qual foi a consequência? A Qantas, deixada ao seu destino, iniciou uma revisão profunda do seu negócio que a levou a reestruturar-se e a focar-se na geração de cash-flows (o que não é ganância, nem magia, apenas requer clientes satisfeitos e com vontade de comprar bilhetes).

Em 2016, tendo concluído com sucesso o seu turnaround, a Qantas teve um lucro de A$1,5 mil milhões para o qual contribuiu, sem dúvida, uma envolvente económica propícia com a descida dos preços dos combustíveis, crescimento económico e movimentos cambiais favoráveis, mas também melhor serviço, operações mais eficientes e mais rigor financeiro. Quem não contribuiu nada do seu bolso para este resultado foi o contribuinte australiano.

A TAP também é uma companhia aérea. Que também tem baixos e abismos. Que, dizem os especialistas, atua numa geografia que lhe permite ter um negócio de travel, ou transit-hub, que é potencialmente muito mais rentável que o end-of-line operado pela Qantas. Mas será que a principal vantagem competitiva da TAP está na geografia do seu mercado ou na composição do Governo português? E estando neste, qantas vezes mais nos poderá vir ao bolso?